ENTREVISTA - Nogueira da Costa treina 12 atletas, entre eles dois russos, e fala com orgulho no êxito de Susana Godinho. Ao deixar o Sporting, terceiro dos três grandes que representou, o técnico ganhou mais tempo para o seu grupo de atletas, que seleciona com rigor, emocionando-se ao falar dos dois fundistas russos.
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Tozé Nogueira da Costa treina 12 atletas. Sara Moreira é a mais famosa, Rui Pinto e Susana Godinho os destaques de uma nova geração de fundistas.
Como é o seu grupo de treino?
-Tem os atletas que me dão orgulho treinar. Sou esquisito, gosto de ter um coletivo à minha volta e nele só integro quem considero mais-valia para o grupo. É assim que os resultados aparecem. Tenho 12 atletas, incluindo uma que conseguiu uma bolsa e está a treinar nos Estados Unidos, a Laura Taborda. É um talento para ir a Europeus ou Jogos Olímpicos, pelos 3000 metros obstáculos. Ela quer apostar em 2028, mas já lhe disse para ir pensando em 2024.
Esse grupo treina todo junto?
-É baseado em duas áreas, os obstáculos e a maratona. Tenho a sorte de possuir atletas de qualidade. Tive o Carlos Pereira, o Alberto Paulo, a Jéssica Augusto. Agora até tenho dois russos, que vieram para cá, fugindo aos problemas do seu país, o Iskander Yadgarov e o Anton Tishakin. Um já ganhou duas vezes a Maratona de Moscovo, mas estão com dificuldades para correr fora do nosso país. O Yadgarov fez 2h14m05s na Maratona de Valência, um recorde pessoal. Escreveu-me logo a dizer que estava muito satisfeito. Vivem no Porto há dois anos e estão inscritos pela Academia Fernanda Ribeiro.
Mas russos não podem ir aos Jogos...
-Não, no atletismo os russos não vão. Aliás, já na Meia-maratona de Lisboa tiveram de sair da ponte, não podendo partir com a elite. Um deles chorou.
Além de treinador, é em parte psicólogo dos seus atletas?
-Procuro ser um bocadinho.
A evolução da Susana Godinho enquadra-se nessa vertente?
-Não. Ela é a atleta que sempre imaginei, até mais do que ela... Treina comigo há uns dez anos e há cerca de cinco que a tentava convencer a fazer uma maratona. Ela nunca se imaginou maratonista, até que há um ano me disse que gostava de tentar. Fiquei surpreendido, perguntei-lhe se era a sério, o trabalho começou de forma natural e os resultados estão a aparecer. É uma prova muito específica, em que um grão de areia estraga tudo, mas ela ainda tem margem de progressão. Ela adora séries longas, está na sua área de conforto.
É uma nova maratonista na altura certa, que as atuais estão em fim de carreira...
-Temos uma série de atletas com muita qualidade. Mas estávamos habituados a medalhados e por isso não lhes dão tanto valor.
Nader é exemplo no meio-fundo
“Medalhas internacionais é cada vez mais complicado, sobretudo no meio-fundo”, diz Nogueira da Costa, lembrando uma exceção: “O Isaac Nader demonstra que temos gente com capacidade. Mas ele treina em Espanha, o que responde a algumas questões”. Não à mais óbvia, realça: “Não é porque os treinadores portugueses são piores do que os espanhóis, ou piores do que os portugueses do passado, como Moniz Pereira e Fonseca e Costa ou Pompílio Ferreira; porque Sameiro Araújo, João Campos, António Ascensão ou eu já somos desses anos e não desaprendemos”.
Treinadores estão melhor formados
O treinador portuense faz a defesa da sua classe com argumentos sérios: “Antigamente não éramos obrigados a ter formação contínua, como agora. Já os novos chegam das faculdades, portanto o treinador atual tem melhor formação. Como os resultados não aparecem, há quem prefira dizer que os treinadores são maus... Se calhar deviam dizer que não podem dar aos atletas as condições do passado”. E a crítica tem destinatários: “Aos diretores das instituições ou clubes, o que se exige? Nada. Podem ser carolas” .
Há menos condições para treino de estrada
“Nunca houve tantas pistas, mas para treinar na estrada as condições são menores”, diz, sobre uma dificuldade dos fundistas. E conta mais: “No Porto, treinava-se à volta do Hospital de S. João... O Sporting tinha a Quinta das Conchinhas. A Albertina Dias ganhou três medalhas em Mundiais de crosse fazendo carreira a treinar na chamada quinta dos kiwis...”.
Atletas formados são uma satisfação
“Nos meus primeiros anos, poucos atletas chegavam ao ensino superior. Agora, para muita satisfação minha, a maioria está em universidades”, destaca Nogueira da Costa.