Os golos tornam o extremo num protagonista óbvio, mas foi nas costas do mexicano que o FC Porto se encavalitou para dar um safanão nos fantasmas. Triunfo à justa, mas justíssimo
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Começar por Varela é obrigatório por vários motivos. E outros dois ainda: os golos que marcou confirmaram o Gil Vicente como uma das suas vítimas-fetiche e, mais importante do que isso, permitiram ao FC Porto dar um safanão nos fantasmas que assombravam a equipa fora de casa. Na verdade, esses fantasmas têm sido assombração regular também em casa, mas desta vez, apesar de magro, o triunfo portista dispensa a companhia de asterisco para deixar dúvidas sublinhadas em jeito de nota de rodapé. A vitória foi à justa, mas justa, e sabemos todos a diferença entre uma coisa e outra. Igualzinho continua o Gil Vicente, que já vai no décimo jogo consecutivo de campeonato sem vencer e continua a viver dos rendimentos da primeira fase do campeonato. É pouco.
Para avançar na história, é preciso voltar atrás: começar por Varela, dizia-se, é tão justo quanto óbvio, mas, raspando ao jogo a superfície dos golos - e é preciso distinguir bem entre superfície e superficial -, sobressai outra exibição maiúscula: a de Herrera. Com Fernando onde é suposto estar e com o mexicano em toda a parte, o meio-campo deu sinais de ter finalmente o que pareceu faltar quase sempre esta época: estabilidade. O resto veio por acréscimo. E o que veio fez toda a diferença: disciplina, combatividade e rigor. Juntando nomes à ideia, dava qualquer coisa como Fernando a segurar as pontas e Herrera a atá-las mais à frente para garantir um fio de jogo a todo o comprimento. Uma evidência ainda mais expressiva na primeira parte, período em que os portistas assinaram uma das mais convincentes exibições da época.
A história ainda nem a meio vai, mas dá para arriscar uma primeira conclusão moral. Estabilidade não é coisa que se deseje apenas do exterior para dentro; pode ser também um princípio aplicado em sentido inverso: do relvado para quem vê tudo de fora. E o que se viu foi um FC Porto mais entrosado num jogo em que, contrariando a tendência do costume, Paulo Fonseca conseguiu manter o onze. Será coincidência?
Empurrado pela força de Herrera e pela pontaria de Varela, o Gil Vicente encolheu-se no relvado, apesar de aparentemente bem esticado com a aposta na rapidez de Diogo Viana, Brito e Hugo Vieira, o trio do ataque. O problema estava no meio, onde a articulação de Luan, João Vilela e Luís Silva deixava muito a desejar. João de Deus percebeu o que estava à vista de todos e tentou emendar a mão com a troca de Luís Silva por Pedró. Fê-lo ao intervalo. Ou seja, uns minutos valentes depois do primeiro golo de Varela e de uma acumulação de evidências de fragilidade, numa primeira parte em que o perigo rondou quase sempre a baliza de Adriano. Danilo chegou a acertar no poste; a exceção gilista foi uma cavalgada de Brito que Abdoulaye travou em cima da linha de golo.
A segunda parte começou como a primeira, com Varela em grande. O terreno desaconselhava a aposta em habilidades, mas o extremo, que muitas vezes parece arriscar em demasia pelo simples facto de sair de casa, estava num daqueles dias em que terá lamentado não ter num bolso um boletim do Euromilhões para preencher; quase tudo lhe corria bem. Correr, e muito, correu ele com a bola nos pés para carimbar o segundo golo. Uma obra de arte. Começou nos pés de Abdoulaye, passou ainda por uma pincelada de Josué, mas, antes da linha de meio-campo, ganhou vida no fôlego de Varela. Ele correu, e continuou a correr com a bola controlada num relvado tão irregular como a cara de um adolescente carregado de acne. Chegado à área, trocou de pé e trocou também as voltas à defesa do Gil, rematando com o esquerdo para o golo que parecia o da tranquilidade.
Não foi. Quase no minuto seguinte, o Gil Vicente respondeu. Lance rápido a explorar bem as alas e a beneficiar de uma atrapalhação da dupla de centrais portista; Hugo Vieira não perdoou. A partir daqui, a curiosidade passava a ser a dobrar: o que o Gil conseguia crescer e como respondia o FC Porto ao teste. Responderam melhor os dragões. Herrera continuava com pilhas para aguentar as pontas. Num estádio não muito cheio, perto de João de Deus um adepto gilista gritou-lhe. "Mete um avançado." Pedido e feito: entrou Mosquera. Entrou ainda Caetano, mas sem o toque desejado.
Paulo Fonseca podia enfim respirar. E até estrear Mikel.