Magoado por ver o seu projeto para o Sporting ser sistematicamente travado por uma "minoria de bloqueio", FILIPE SOARES FRANCO, o último presidente vencedor, pôs-se fora em junho de 2009. "O engraçado é que, depois de me ter vindo embora, eles aprovaram tudo", assinala em entrevista exclusiva. Passados quatro anos de derivação, o clube endireita-se. "Hoje tenho esperança", afirma o ex-líder
Corpo do artigo
"Por feitio, hoje em dia gosto de ser cada vez mais anónimo, ou seja, discreto", diz Filipe Soares Franco, que conduziu os destinos do Sporting de outubro de 2005 a junho de 2009, período em que futebol profissional venceu quatro troféus e somou três qualificações diretas para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Aos 60 anos, tem "investimentos num conjunto de empresas" que procura acompanhar, mas o maior interesse pessoal é "poder gozar a vida". Saiu do clube desiludido com a "minoria de bloqueio" que lhe boicotou o projeto, mas entretanto, com a nova ordem de Bruno de Carvalho, voltou "a sofrer pelo Sporting", confessa em exclusivo a O JOGO, na primeira grande entrevista em quatro anos.
"Só um sportinguista inconsciente encararia o futuro do clube com otimismo." São palavras suas, apreensivo que estava antes das últimas eleições. E agora, mudou de opinião?
Não. Acho que continua a ser preocupante, pese as medidas (bem) aplicadas pelo presidente Bruno de Carvalho terem atenuado e melhorado a situação do clube relativamente ao estado em que se encontrava há seis meses. Mas daí a encarar o futuro com otimismo, só mesmo no sentido de que um adepto acredita sempre que se vai dar a volta.
Sobre Godinho Lopes, presidente cessante, disse que deixou "muito a desejar". Explique essa deceção.
Como sportinguista, encontro poucas razões para ficar satisfeito com os atos de gestão nesse mandato. No plano desportivo, ganhámos zero. No domínio económico-financeiro, piorámos drasticamente - desequilibrámos custos e receitas, aumentámos o endividamento. E ainda tínhamos em cima da mesa um conjunto de projetos megalómanos e desajustados da realidade.
Refere-se a quê?
Aos projetos de internacionalização, que demoram muito tempo a dar resultado; ao estádio que se ia construir em Odivelas; ao pavilhão que se ia fazer... Como é que se pode dar estas ideias aos adeptos que vivem na confiança dos dirigentes? Creio que Godinho Lopes sabia perfeitamente que tudo o que dizia era impossível de concretizar. Isso desiludiu-me.
"Bom senso é uma qualidade fundamental no futuro presidente do Sporting para resolver todos os problemas." Outra projeção sua. Bruno de Carvalho está nessa linha?
Até hoje, de uma forma geral, diria que sim. A personalidade e a sua forma de atuar são totalmente diferentes das minhas; isto não é uma crítica, é uma constatação. Tem dado provas de estar a resolver os problemas. E isso é uma demonstração de bom senso. Já errou e vai continuar a errar, mas também acho que ele não se considera nenhum super-homem. Na resolução de problemas, também se erra, porque é preciso tomar decisões, e nem todas são boas. Acontece na vida de qualquer dirigente. Importante é que 80% das decisões sejam boas. Se forem, já é uma grande vitória. E ele tem tido essa média no início de mandato.
Voltou a ter prazer em ser adepto do Sporting?
Voltei essencialmente a sofrer pelo Sporting, e isso é bom. Ao contrário de há um ano, hoje tenho esperança, mesmo reconhecendo que o projeto desportivo na área do futebol profissional é muito difícil para esta época. É com imensa alegria que volto a ver no plantel principal um grande número de elementos saídos da formação. Num dos últimos jogos, começámos com sete da casa, número que cheguei a ter com Paulo Bento. E isso é uma alegria para o adepto. Como também o é para o presidente, pois sabe que construiu um projeto com base na prata da casa. Porquê? Porque então vale a pena ter formação. Esta não existe apenas para criar Cristianos Ronaldos ou Nanis - esses acontecem esporadicamente; existe sobretudo para alimentar a equipa principal.
Alguma vez deixou de pagar quotas?
Não, nunca, nem pensar. Pago-as sempre no início do ano, tal como pago o meu bilhete de época quando esta começa. Também continuo a ser acionista da SAD e não tenho a menor intenção de vender uma única ação.
Que opinião tem do treinador Leonardo Jardim? Acha que, pelo seu perfil, pode ter um ciclo tão longo ou ainda mais extenso do que aquele que Paulo Bento teve consigo [quase quatro anos]?
Não conheço a pessoa do Leonardo Jardim nem os seus métodos de trabalho. Mas como adepto, de fora, tenho apreciado o trabalho. O espaço de tempo é curto, não dá para grandes avaliações, mas tenho admiração e estou satisfeito com o que tem feito. E não vou deixar de dizer isto se ele tiver um ou outro desaire. Acho que a equipa está bem amanhada.
Esta equipa tem capacidade para ir além do terceiro lugar no campeonato?
A fasquia foi muito bem colocada. Os adeptos têm de vibrar com uma equipa que luta para ganhar. Mas não se pode pedir a uma equipa que teve as classificações que teve nas últimas épocas - e não ganhou um campeonato, nem no meu tempo - que seja já campeã. Se se qualificar para a Champions, já será uma grande vitória. Se vier mais alguma coisa, melhor.
"Patrício só pode ser vendido
com uma oferta fora do baralho"
Hoje, quando vê Rui Patrício na baliza do Sporting e da Seleção, o que é que sente? O sacrifício foi compensado?
Acho que valeu imensamente a pena a aposta. Foi uma decisão tomada com consciência. Sabíamos do potencial dele, só precisava de crescer. Está um guarda-redes maduro e com mercado lá fora. Felizmente para o Sporting, continua cá. Nas grandes transações, raramente vemos guarda-redes. Se temos um bom, vale a pena conservá-lo. Só se aparecer uma proposta fora do baralho é que se pode pensar em vender.
Subscreve a tese de que as vendas de Bruma e Ilori foram grandes negócios?
Foram sobretudo ótimas decisões. O processo de Bruma foi muito mal gerido pela Direção anterior. O braço de ferro com o Sporting poderia ter acabado mal, foi das tais decisões de risco que Bruno de Carvalho teve de tomar. O final foi feliz, e na vida é preciso ter sorte. Quem não a tiver, também não tem sucesso.