Foi em Florença e num dia de chuva que obteve a maior vitória da história do ciclismo português. Pela primeira vez temos um campeão do mundo, e não um qualquer. Rui Costa alinhou em desvantagem e foi o mestre da tática.
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Um título de campeão do mundo nunca cai do céu, sobretudo quando, como ontem, se trata daquele que pode ser eleito o segundo campeonato mais duro da história do ciclismo. Rui Costa precisou de 7h25m para vencer em Florença e só em 1980, quando Bernard Hinault ganhou em Sallanches (França), se correra mais tempo (7h32m). Os segredos do título, ontem tirado aos espanhóis Joaquim Rodriguez e Alejandro Valverde, que tiveram dificuldade em engolir o triunfo de um português - "Fiz tudo bem. Perguntem ao outro [Valverde] porque não ganhámos", atirou um choroso Rodriguez -, começaram na genética do poveiro, nascido e criado para se impor em corridas de um dia, pela sua resistência em longas distâncias e características de corredor completo, e terminaram numa preparação cuidada ao pormenor.
Já poucos se recordarão, mas Rui Costa, depois das duas vitórias de etapa na Volta a França, não veio a Portugal receber o tradicional banho de popularidade no aeroporto. Foi estagiar em altitude e apenas deixou as montanhas para correr, em clássicas em França e no Canadá. Ele sabia que só assim estaria em condições de ser o melhor dos melhores.
Sendo o 14º mais cotado pelas casas de apostas - pagava 40 para 1 e deu fortunas a quem arriscou nele -, o português alinhava com a desvantagem de ter apenas dois colegas, contra nove espanhóis e outros tantos italianos ou belgas. Por isso passou quase todos os 272 quilómetros a resguardar-se, num dia de intensa chuva e traçado sinuoso, condições que foram eliminando Chris Froome, Bradley Wiggins e Cadel Evans, entre muitos outros, tirando ainda as forças a Peter Sagan, Fabian Cancellara e Philippe Gilbert, que ficaram pregados na hora do ataque decisivo, já na derradeira volta.
Até ao fim, e estando em fuga com o melhor italiano (Vincenzo Nibali) e as duas estrelas espanholas (Joaquim Rodriguez e Alejandro Valverde), Rui Costa teve de ser... mais inteligente. Tal como fizera no Tour, atacou na hora certa para apanhar um isolado Rodriguez, fazer ouvidos de mercador às sugestões do espanhol - "Passa", disse-lhe o outro - e sprintar para a vitória. O "frio matador" que se vira no Tour voltou a exibir-se. É português o ciclista que melhor lê corridas e durante um ano vai vestir uma camisola branca e com um arco-íris para o recordar. Depois, e no dia em que terá de defender a camisola, poderá contar com portugueses a seu lado. Pode anotar: o Mundial de 2014 será a 21 de setembro em Ponferrada. Aqui mesmo ao lado!