Contundente, Bruno de Carvalho não poupou munições ao visar o alvo: os empresários dos jogadores
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Ao fim de dois meses na presidência do Sporting, e numa altura em que enceta negociações para a renovação de jovens estrelas emergentes como Bruma e Ilori e pretende concretizar a saída de vários jogadores e a entrada de alguns outros, Bruno de Carvalho atira forte sobre quem entende mais lucrar nos meandros do futebol: os empresários dos jogadores.
O presidente do FC Porto disse que o Sporting o contactou por vários jogadores, entre eles o Josué. Esta troca de palavras por causa da transferência de João Moutinho pode inviabilizar algum negócio entre os dois clubes?
Não vale a pena estar a falar mais sobre temáticas ligadas ao FC Porto. O Sporting sabe perfeitamente os jogadores que quer e está nos seus processos de negociação. Queremos que as pessoas percebam que o futebol não pode ser um mundo cão. Tem de ser um mundo com regras, e com regras dentro da normalidade do que tem de ser os negócios. Estou há pouco tempo como sabem e deu para perceber que o futebol é um mundo sem grandes regras. Onde pululam várias coisas à volta do futebol... ou empresários, ou empresas ou interesses dos próprios dirigentes.
Isso surpreendeu-o?
Não é surpreender. Num momento - e acho estranho - de crise do futebol português, não só na Seleção como de vários clubes que não conseguem honrar compromissos, outros desaparecem, e continua grande parte dos clubes a olhar para o seu umbigo e a não perceberem que ao olhar para a sua quinta toda a floresta pode arder. Enquanto dirigente de futebol hei de lutar. Não considero que seja esta a forma para que o futebol português evolua. Com certeza absoluta que as pessoas não querem fazer um campeonato a dois, ou a três, a caminhar assim, qualquer dia tem de se fazer um campeonato a quatro clubes... É penoso, enquanto dirigente com responsabilidades acrescidas no futebol, ver estes meandros. Não quero acabar com os meandros todos, mas o Sporting não vai pactuar com nenhum eles. Havemos de fazer os negócios que queremos fazer, o caminho que queremos trilhar, o projeto que queremos trilhar, alertamos para as situações de que os clubes não se podem vergar aos interesses todos que estão à volta do futebol sob pena de acabarem. Não é só o Sporting. Não podemos equacionar, ou fingir que não percebemos isto, e falo de quem manda no futebol, estou a falar do governo, não podemos todos fingir que não percebemos que os clubes não podem pagar milhões de comissões... isto é a loucura generalizada. Os clubes não sabem como fazer receitas e se querem renovar um jogador tem de pagar milhões, se quer vender tem de pagar milhões, se quer comprar também! Isto não faz sentido nenhum! Imagine que vai ao supermercado, quer um quilo de laranjas que são 30 euros e paga mais dez de comissão! Tem de pagar mais dez porque alguém foi apanhar as laranjas ao pomar!
Quem inflaciona o futebol?
Tudo aquilo que os governos e quem manda no futebol deixam que ande no futebol. Eu vou vender um quilo de laranjas, por 30 euros. Você deu-me 30 e o produtor daí pede dez. Eu pagar do que recebi ainda faz sentido, agora pagar de uma renovação, de uma compra... é a loucura generalizada. E essa pessoa está a ganhar do lado de quem compra, de quem vende... Os clubes não podem ser quem menos lucra com o negócio do futebol.
É com esses desafios que se tem debatido nestes dois meses?
Para além do que é uma reestruturação natural de um clube que necessita dessa reestruturação, toda esta loucura em que o futebol vive e que as pessoas ficam a olhar para mim do género "é assim, é o futebol", não posso aceitar nada disso! Não posso continuar a ficar calado e que as pessoas que têm de fazer alguma coisa não se mexam no sentido de acabar com isto, que é os clubes cada vez mais falidos e as pessoas à volta do futebol cada vez mais ricas.
Nestes últimos dois meses já recebeu alguma proposta por Rui Patrício?
Não.
Diego Capel?
Não.
Tiago Ilori?
[pausa]... Não.
Essa demora a responder....
Vocês estão a fazer perguntas concretas e deduzo que queiram respostas verdadeiras. Ter pessoas a mandar bocas para os jornais a dizer que há muitas propostas não vale a pena estarmos com isso, porque, lá está, quem vive à volta do futebol tem de deixar de falar com a Comunicação Social e vir negociar com o clube. Fala-se muito na Comunicação Social para criar expectativas. Quanto mais me tentarem pressionar, pior é.
Está a falar também das renovações?
Claro! Quanto mais me tentarem pressionar, pior é.
Então está a dizer que algumas dessas tais propostas são irrealistas...
O que estou a dizer é que as pessoas e até os próprios jogadores têm de cair na real. Já fazem uma atividade bonita e saudável. Caiam na real. Temos de sentir que os jogadores são profissionais como tantos outros. Os valores que se praticam no futebol já são obscenos. Não vale a pena torná-los pornográficos, até porque nunca fui amante da pornografia e não seria no Sporting que isso ia mudar. As pessoas têm de perceber que são jogadores de futebol, que são os ídolos de muita gente, mas ídolos, para mim, são o meu pai, a minha mãe, a minha filha e a minha mulher. Já disse isto várias vezes. Tenho quatro ídolos e tenho um Sporting que amo. A partir daí, as pessoas terão de compreender isso. Infelizmente, há muita gente que ainda não entende bem aquilo que quero dizer...
Principalmente os mais jovens?
Não é só os mais jovens, mas sim as pessoas que poluem as cabeças desses jogadores mais jovens. Mais jovens e mais jovens. E estou a falar dos empresários. Não tenho medo de o dizer. Falo dos agentes e de tudo aquilo que está à volta disso. Poluem a cabeça das pessoas com ideias de que podem ganhar milhões. Continuo a dizer: eu também queria ter três naves espaciais. No entanto, as pessoas têm de cair na real. E se não caírem a bem, vão acabar por cair a mal. Isto porque não sou pressionável.
Não teme com esta atitude estar a iniciar uma guerra contra parte poderosa do futebol português?
É engraçado, porque várias pessoas têm vindo ter comigo, e ou são muito hipócritas, o que pode acontecer, mas são da área e têm-me dito: 'muitos parabéns, presidente, tem muita razão em tudo aquilo que tem dito'. E são da área: estamos a falar de agentes. Mas pode ser hipocrisia. O Sporting sabe com que regras pode jogar, está nas mãos, primeiro, dos dirigentes denunciarem isto, mas denunciar não é acabar. As coisas têm é de ter lógica. Um empresário se é empresário tem de se virar para os seus atletas e tem de lhes colocar na cabeça alguma coisa dentro de uma lógica. Por sua vez, é admissível eu pagar do que recebo, não é admissível pagar duas vezes. Isto é o cúmulo: quer dizer, no dia em que fosse pagar uns sapatos tinha de admitir pagar uma percentagem a quem me aparecesse para gastar dinheiro nuns sapatos. Não faz sentido nenhum.
