Mossoró trabalhou no Braga sob as ordens dos técnicos que hoje se defrontam na Taça de Portugal e revela como funcionavam em vésperas de um jogo grande
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Poucos são os traços que unem Jorge Jesus e Leonardo Jardim, muitas são as diferenças que os diferenciam. Desde logo, os dois são "grandes treinadores", acima de tudo são "ambiciosos, querem sempre vencer", mas as diferenças de âmbito profissional, e ainda comportamentais, permitem elaborar uma extensa lista, que Márcio Mossoró antecipou a O JOGO. O médio-ofensivo trabalhou com os dois técnicos no Braga, em 2008/09 sob o comando do atual líder das águias e em 2012/13 sob as ordens do agora timoneiro dos leões. Por isso, tem uma visão privilegiada sobre como são Jesus e Jardim, como pensam, como agem, numa leitura que pode ser extensível ao dérbi de hoje, e que terá, frente a frente, a ansiedade de Jesus e a confiança de Jardim.
Acima de tudo, e pela experiência que adquiriu no trabalho de uma época com cada um, Mossoró aponta como grande diferença "a filosofia de trabalho". Embora ressalve que Jorge Jesus e Leonardo Jardim são defensores ferrenhos de um "futebol ofensivo", depressa o ex-médio do Braga passa a enumerar qualidades diversas, nomeadamente porque o técnico do Benfica "trabalha mais a parte tática e defensiva, é mais estratega nos jogos grandes que Jardim", preferindo o treinador dos leões "deixar os jogadores mais à vontade para colocarem em campo o que foi trabalho durante a semana". "Jesus é mais ansioso, Jardim é mais solto, mais confiante, dá mais liberdade aos jogadores", acrescenta.
Mossoró viveu por dentro vários jogos grandes, ao serviço dos bracarenses, e recorda-se, ao pormenor, de como os dois técnicos preparavam esses encontros. "Jesus nunca tinha uma equipa certa, tinha sempre alguma dúvida, alguma estratégia diferente para tentar surpreender o adversário. Com o Jardim, a equipa que estava a jogar, se o estivesse a fazer bem, era a que ele preparava para estes jogos. E durante a semana, com Jesus havia mais palestras, mais vídeos, mais detalhes. Eram três palestras durante a semana. Com Jardim havia uma palestra normal antes do jogo", revela o agora jogador do Al-Ahli Jeddah, da Arábia Saudita, sublinhando ainda que o agora técnico das águias, nestas partidas, "em vez de jogar com o habitual 4x4x2, apostava em apenas um ponta de lança, enquanto Jardim nunca mudou, sempre manteve a sua ideia e forma de jogar".
Durante a semana, a exigência era bem diferente. "Jesus chamava sempre muito mais vezes a atenção dos jogadores, o Jardim só com a personalidade dele conquistou o grupo, sem fazer gestos mais agressivos. Se virem bem como é o Jesus durante os jogos percebem como era o trabalho com ele durante a semana. É exuberante, parava os treinos e as jogadas várias vezes, gritava com os jogadores para fazerem como ele queria. Jardim não precisava disso, embora tenha aquele jeito sério, não precisava de gesticular para fazermos o que ele pedia."
Até na rotina no dia do encontro, as diferenças eram claras. "Com Jesus, o dia do jogo começava logo com treino de bolas paradas, no hotel assistíamos a vídeos de jogos do adversário, depois dava a palestra e, por vezes, havia ainda nova sessão de vídeo. Com Jardim, fazíamos só uma caminhada, ficávamos mais à vontade, mais relaxados, não havia tanta ansiedade", recorda Mossoró, que durante as partidas, sempre viu um Jesus "mais tenso, mais nervoso, quase a querer entrar em campo, enquanto Jardim estava mais tranquilo".
E esta diferença de personalidade ou de capacidade de controlo emocional passa para os jogadores. "Sentia-me mais à vontade com Jardim, pois podia entrar no jogo com mais à vontade porque ele confiava que quando começava a rolar a bola nós saberíamos o que fazer. Já o Jesus é muito mais stressado, não dá descanso a ninguém. E essa é uma forma de ser ou atuar que para alguns jogadores é positivo, ajuda-os a melhorar o seu rendimento, mas para outros é pior, porque aumenta mais os seus níveis de ansiedade", analisou o jogador agora treinador por Vítor Pereira, ex-FC Porto, e companheiro do ex-Benfica Bruno César.