O Monstro Sagrado despediu-se ontem, aos 78 anos, vítima de insuficiência cardíaca. O sorriso desarmante fechou-se em Moçambique, onde nasceu uma das maiores figuras do futebol português
Corpo do artigo
Pouco menos de dois meses depois do seu "afilhado" e amigo Eusébio, Mário Coluna disse ontem à tarde adeus a um mundo onde será para sempre recordado como uma das maiores figuras do futebol português, o jogador do Benfica com mais títulos conquistados (19 troféus).
Aos 78 anos, o "capitão dos capitães", como era apelidado no meio, não resistiu a uma insuficiência cardíaca, desencadeada por uma infeção pulmonar. O primeiro negro a erguer uma Taça dos Campeões Europeus - e ficou com duas no currículo pessoal - despediu-se em Moçambique, terra que o viu nascer, depois de ter sido internado no Instituto do Coração de Maputo já no último domingo. Tal como ao longo das 16 épocas que jogou de águia ao peito, lutou com todas as suas forças. Desta vez, ao contrário do que sucedeu grande parte da sua vida, não venceu. E o sorriso desarmante do menino que sonhava ser mecânico de automóveis... fechou-se.
Único, intocável, "sagrado", como o apelidaram, Mário Coluna foi criado no Alto Maé, na província da atual Maputo. Filho de José Maria, português da Beira Baixa, e da moçambicana Lúcia, ali nasceu para o desporto e para o trabalho, que desde tenra idade abraçou. Depois de tentar outras modalidades, acabou por ser a mão do seu pai, fundador do Desportivo de Lourenço Marques (então filial encarnada), a marcar o seu futuro. Ali começou a dar nas vistas, mesmo depois de fazer vários quilómetros a pé para treinar e jogar. Sempre foi ponta de lança. A sua envergadura e capacidade de impulsão permitiam-lhe evidenciar-se na área e marcar golos. A ponto de os três grandes terem lutado pela sua contratação. Em 1954, o FC Porto, através de Carlos Mesquita (treinador do Desportivo de Lourenço Marques e antigo jogador portista), quis levá-lo, oferecendo-lhe 90 contos por três épocas. Ao ataque portista respondeu o Sporting com cem contos por duas temporadas, proposta igualada pelo Benfica. Para o sr. José Maria, porém, a decisão foi simples: benfiquista ferrenho, o pai de Coluna inclinou-se de pronto para a Luz e, aos 19 anos, o eterno capitão instalou-se no Lar do Jogador, nesse ano mandado construir por recomendação do técnico Otto Glória. Coluna chegava com o intuito de vir a suceder a José Águas, mas a adaptação não foi fácil e o menino calmo a que todos viriam a chamar "senhor" chegou a ter as malas feitas para voltar para casa. A visão de Otto Glória levou-o, no entanto, a recuar para o meio-campo, e aí surgiu o monstro que todos respeitarão para sempre. Adversários incluídos.
Nunca precisou da braçadeira para ser capitão, mas envergou-a durante sete anos de águia ao peito (1963-70), estendendo a honra à Seleção Nacional, que ajudou a chegar a um brilhante terceiro posto no Mundial de 1966. Marcou em ambas as finais da Taça dos Campeões Europeus ganhas pelo Benfica e perdeu outras três (1963, 1965 e 1968), sendo o jogador encarnado que mais vezes (328) foi capitão. Entre os cem melhores jogadores do século XX segundo a FIFA, fará perdurar a sua resistência, classe e forte remate. Depois de pendurar as chuteiras, em 1972, ainda foi eleito deputado pela FRELIMO, chegou a presidente da Federação Moçambicana de Futebol e até a ministro dos Desportos de Moçambique.