O FC Porto fez pouca coisa mal e o Benfica não fez assim tanta coisa bem, mas só uma equipa conhecia de cor os tais detalhes que decidem os clássicos
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Um lançamento de linha lateral, arma atípica que o Benfica já vem experimentando no Dragão há anos, arrancou a noite dos braços de um FC Porto até então irrepreensível e pô-la a jeito dos veteranos de Jorge Jesus. A ratice e a barra (duas vezes) fizeram o restante para pôr os benfiquistas seis pontos à frente do concorrente mais sério.
O Benfica jogou no Dragão com compromisso mínimo. Fez apostas simples: matar pela raiz a saída de bola do FC Porto, com uma pressão muito alta sobre todos os defesas e Casemiro, e encaixotar os dois extremos, Brahimi e Tello. Nos dois propósitos, teve êxito quase total. O argelino jogou quase sempre de costas para Maxi Pereira, que, invariavelmente, conseguia empurrá-lo de volta ao meio-campo do FC Porto, e Tello, que até começara bem, quase não via a bola porque o Benfica estava a ser bem sucedido a emperrar a circulação dos portistas.
Mas, para isso, Lopetegui estava prevenido. Por um lado, o FC Porto já se vai sentindo à vontade no jogo direto para Jackson a que estratégias como a do Benfica o vão obrigando; por outro, serviu-se da atenção redobrada aos extremos, e do posicionamento do adversário demasiado subido no campo, para entregar as costas deles aos dois médios, Óliver e Herrera, ou a subidas repentinas dos laterais. Por essa via, construiu três lances de golo na primeira parte, sem pagar grande coisa por eles. Lá atrás, a equipa amordaçava até com notável facilidade a ameaça benfiquista. Antes do golo de Lima, os ataques do Benfica foram dois remates inócuos de meia distância e um amarelo extorquido por Gaitán a Danilo.
A maré virou num lançamento de linha lateral. Há dois anos, na famosa noite de Kelvin, chegou a ser cómico como o Benfica procurava esses lances deliberadamente. Ninguém no país, e no FC Porto em especial, desconhece a capacidade que Jesus tem para extrair deles algum perigo. Por algum motivo, o espanhol se descompôs tanto quando o árbitro assistente forçou Brahimi a afastar-se três metros da linha, onde Maxi Pereira - um especialista - preparava o arremesso. Os bloqueios sempre bem treinados e a distração mais tarde admitida por Danilo conduziram depois ao golo de Lima, que tem uma camuflagem especial para estas ocasiões, sobretudo no Dragão, onde tem o hábito de marcar.
Só depois da vantagem adquirida, o Benfica se permitiu alguma disposição atacante, e foi ainda levado por ela que marcou outra vez, aos 56", alterando definitivamente o rosto do jogo. Foi a partir do segundo golo, difícil de aceitar numa noite tão importante (ver momento), que o resultado passou a pedir um FC Porto que ainda não existe. Quem vencia era a equipa mais rodada, mais experiente e mais manhosa. Não foi por acaso que a única substituição com impacto feita por Lopetegui foi a de Tello por Quaresma. O jogo morreu em definitivo, aliás, com duas bolas à barra, a mais flagrante das quais (81") apontada por ele à cabeça de Jackson Martinez. Nessa altura, já Alex Sandro saíra para entrar Aboubakar, e o FC Porto procurava forçar o golo por todos os meios.
Deu-se então a segunda intervenção decisiva do Benfica, que foi capaz de congelar o jogo na ponta final, entre paragens, boa circulação e muitas bolas a procurar o beco sem saída dos flancos, perante a impotência dos jovens do FC Porto, já perdidos e sem guia. Acabou por ser um sublinhado eloquente das diferenças que ajudam a explicar um resultado invulgar (o Benfica não vencia no Dragão há nove anos) numa conjuntura também invulgar. Não é costume ser o FC Porto a equipa mais cândida em campo no campeonato português, pelo menos de uma forma tão evidente, mas também não era costume que os portistas se vissem a braços com um lote tão jovem.