O FC Porto tinha um recado a enviar para a Luz, mas também questões internas para esclarecer e das quais depende a corrida ao título. No final, o resultado esteve ao nível da resposta a ambos os desafios: foi uma autêntica ilusão
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Os treinadores odeiam que o futebol seja analisado em função dos resultados. É um tema para alimentar excelentes tertúlias académicas, mas que agora tem de ser para aqui chamado porque, de facto, o 3-0 com que o FC Porto parece ter despachado o Paços de Ferreira não conta absolutamente nada sobre o que se passou no Dragão. Depois de exibições muito trémulas, os portistas propunham-se a resolver as questões internas e a deixar uma mensagem de força para o adiado dérbi da Luz, mas a mentira que os números sugerem é facilmente esfarelada pela expressão de um futebol raquítico que faz com que a inscrição para o tetracampeonato não possa deixar de estar suspensa por flagrante dívida de futebol.
Com golos tardios, o FC Porto empurrou-se para a sala de maquilhagem, mas nem isso criou a ideia de que o que se viu foi bonito, o que no limite convida a concluir que o problema da equipa não se esgota nos nomes, mas nos conceitos. É que a opinião generalizada confluía no vaticínio de que, com Fernando de regresso e Herrera no lugar de Defour, os dragões só teriam por onde crescer. Debalde. É uma má notícia para Paulo Fonseca, mas ela não pode deixar de ser dada: não é defeito de um ou de outro jogador, é feitio do modelo de jogo e da falta de organização coletiva, sobretudo no momento ofensivo.
O treinador tem tentado de tudo, mas com o enfoque em alterações individuais que parecem seguir o método da tentativa-erro até que algum iluminado perceba como raio deve a equipa jogar. Pode até sair um génio da lâmpada, mais dia, menos dia, mas pelo caminho perder-se-á, no mínimo, a confiança daqueles que se viram preteridos sem que se perceba o valor acrescentado. Maicon terá essas dúvidas na cabeça depois da ultrapassagem supersónica de Abdoulaye, sem que para já se note qualquer melhoria evidente.
Mas se Paulo Fonseca se põe a jeito da crítica (e se calhar até é isso que se espera de um treinador num momento destes), a verdade é que também não é muito fácil explicar como é que o rendimento da equipa parece estar a ser controlado por uma criança à beira do interruptor. É que o FC Porto até entrou ligado no jogo de ontem, com dez minutos interessantes, de futebol fluído, a chegar confortavelmente aos flancos e a bombardear a área de Degra com cruzamentos que podiam ter feito mexer o marcador. Mas logo veio um apagão, a coincidir com aquela organização ofensiva pastosa, mastigada entre Fernando e Herrera sem que surja um movimento de rutura, uma combinação que crie desequilíbrios, uma ideia que não seja previsível.
É que a alusão de Fonseca ao bloco baixo do adversário até pode ser verdadeira (Bebé chegou a parecer um quinto defesa, sempre mais preocupado em servir de barreira a Alex Sandro), mas se o FC Porto se define como uma equipa de posse, é para furar equipas como esta que tem de moldar a sua organização de jogo. Dito de outra forma: está muito fácil anular este dragão. E até o Paços defensivo o conseguiu, sendo relevante lembrar que foram duas defesas de Helton a segurar o nulo. Aliás, desta feita os portistas nem da fortuna se podem queixar, porque o (indiscutível) braço de Seri apareceu no momento certo e poupou à equipa a assobiadela que parecia guardada para o intervalo. Quaresma, o novo faz-tudo, assumiu o penálti e camuflou uma primeira parte muito pobre.
A desvantagem, obviamente, não teve qualquer efeito na estratégia de Calisto. Mas o estranho é que não tenha gerado conforto no tricampeão. O tempo trouxe consigo as mesmas dúvidas, a mesma indefinição, os mesmos erros. Saiu Josué e entrou Quintero. E nada. Sempre no ar a ameaça do golo do empate, a confusão do futebol portista e a insatisfação crescente de adeptos que até se esforçaram por adiar a expressão do descontentamento. No fim, o tal rímel foleiro e a base exagerada a maquilhar a exibição, sublinhando-a no resultado. Foi um grito de revolta de Fernando que criou o golo da tranquilidade (marcado outra vez aos 43 minutos) e provou, mais uma vez, que sem ele seria impossível estar aqui um candidato. Esse objetivo mantém-se, mas o FC Porto dificilmente o concretizará se não resolver consigo próprio esta flagrante dívida de futebol.