Com o clássico da Luz à vista, o FC Porto livrou-se de ser notícia e, literalmente, soma e segue na Taça. Plantel fez pela vida, mas o facto relevante foi mesmo a aparição de Kelvin, que escolheu bem o "timing" para brilhar...
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Afinal, há duas sem três. O Atlético, com um histórico de vitórias surpreendentes na Invicta, foi devorado por um FC Porto que seguiu a cartilha do treinador e que teve uma mão-cheia de aspirantes ao onze a manifestar essa ambição em campo. Kelvin foi um deles e é relevante que o tenha feito a uma semana do clássico contra o Benfica, porque insinuou, pelo menos, poder reescrever a história do jogo de maio. Com uma assistência e um golo, o herói do último campeonato ganhou créditos e empolgou as bancadas, insuflando um FC Porto que está carente de heróis. E isto não é uma crítica, porque a classe trabalhadora se mostrou em bom nível, mesmo que tenham sido os mais rodados (com Varela à cabeça) a sobressair.
O jogo de ontem resume-se numa ideia: foi somar e seguir. Fantasmas de eliminações passadas, nem vê-los, porque do outro lado não esteve o Atlético da Tapadinha, mas um Atlético de tapadinhos, encolhido num sistema arcaico que até teve num médio (Marco Bicho) a unidade mais adiantada. É certo que o futebol não se joga com lirismos, mas a história também não é assim tão generosa na recompensa a quem só pensa pequenino. Ontem, o pior ataque da II Liga saiu do Dragão de saco cheio, porque à natural qualidade do FC Porto se associou um bloco defensivo gelatinoso e algumas exibições individuais risíveis.
Indiferente aos dramas alheios, Paulo Fonseca fez a gestão que se impunha: deu minutos aos titulares que os reclamavam (sobretudo Lucho e Jackson), oportunidades aos tais jogadores que têm o Mundial à vista (Reyes e Defour) e confiança a quem tem andado entre o banco e a bancada (Ricardo e Kelvin). As respostas foram globalmente satisfatórias, em parte porque a equipa está mais confortável com as dinâmicas do meio-campo. Lucho não deslumbrou, mas interpreta melhor do que ninguém o papel do médio de transição; assim como Josué se mostrou confortável a 10, entre linhas, a distribuir jogo e a abrir brechas na numerosa mas frágil defesa adversária.
Mesmo assim, a abertura do marcador tardou e chegou pelo mesmo protagonista (Varela) e no mesmo minuto (24') do golo da eliminatória contra o Trofense, que aparentemente tinha traços muito similares à de ontem. Pura ilusão, porque desta feita os dragões marcaram e arrancaram à boleia do repentismo de Kelvin, o extremo com mais lata do plantel de Paulo Fonseca. Essa irreverência deu frutos logo no golo de Defour, que tinha uma mensagem a passar e foi sucedido nessa missão, contrastando de forma flagrante com a exibição disparatada de Herrera em Alvalade. É claro que o termo de comparação é distinto, mas do passeio de ontem sobraram ainda outras exibições sólidas, como a de Reyes (fisicamente mais robusto) e a do adaptado Ricardo, que mostrou boa leitura posicional e atrevimento ofensivo.
De resto, a forma como a equipa engordou um resultado seguro e livre de ameaça não pode deixar de cair no goto do treinador. Sendo certo que o Atlético acusou o efeito dominó, também é verdade que o FC Porto se recusou a tirar o pé. Kelvin foi forte contra fracos, mas foi ele (e as bancadas com ele) a animar o final do jogo, somando diabruras que dificilmente lhe valerão um lugar de destaque entre as escolhas para o clássico da Luz, mas que pelo menos lhe alimentam a ilusão de que a história pode repetir-se. É que para irrepetível já bastam as façanhas do Atlético (1971 e 2007), ontem a anos-luz das equipas que fizeram história no Porto. Sem fantasmas por perto, da noite do Dragão sobra apenas a notícia de um herói à solta.