Missão cumprida mas demasiado comprida >> Portugal precisava de ganhar para se manter vivo e conseguiu-o com merecimento. Mas depois do golo parece que teve vergonha de continuar a jogar bem
Corpo do artigo
Uma inédita Seleção portuguesa sem jogadores de FC Porto e Benfica no onze inicial, apoiada por um público excelente, via-se na obrigação de vergar a Rússia para sonhar com o Brasil. A tarefa poderia parecer gigantesca pela pressão que a equipa deixara que se abatera sobre ela própria noutros carnavais. Agora não havia margem de erro de um dos lados, o português, mas era de esperar um adversário matreiro e sabido. Não muito forte, porque a única equipa do grupo que poderá ser pontualmente muito forte é Portugal. Ou seja, em condições normais, manda o potencial das equipas que Portugal ganhe de cada vez que defrontar este adversário, sendo desta feita essa determinação originada por maus resultados anteriores. A equipa portuguesa entrou determinada e com uma atitude que, repetida noutros jogos, não teria feito deste tão importante. Era importante marcar cedo e o golo apareceu, mas não foi tranquilizador durante muito tempo.
Paulo Bento apresentou um esquema de jogo um pouco diferente do habitual. Com o propósito evidente de inventar espaço para Cristiano Ronaldo e escondê-lo das marcações, arranjou-lhe uma posição falsa de meio-ala, meio-segundo avançado, de modo a poder movimentar-se em campo e tornar imprevisível a forma de atacar lusa. Uma apostas dessas consegue-se com sucesso tendo em campo um jogador como João Moutinho, ontem investido em funções de número 10, ou mais ainda, pois foi organizador-pensador-lançador e operário. A novidade estratégica apoiava-se no facto de Raul Meireles encostar em Miguel Veloso, formando um duplo pivô defensivo, ao passo que Coentrão tinha via verde para disparar pelo corredor esquerdo e João Pereira retraía-se um pouco mais à direita, até por ter à frente dele Vieirinha.
A pressão portuguesa, alta e constante na primeira meia hora, esbarrou vezes sem conta numa Rússia italianizada, organizada mas defensiva, onde um jogador criativo como Dzagoev, por exemplo, não cabe para que a equipa jogue com dois laterais-esquerdos. O onze de Fabio Capello começou por não querer ser um parceiro de jogo, mas assim um lado que não quer deixar jogar, se bem que não esquecendo o cinismo do contra-ataque, mesmo quando um avançado sozinho se desgraça fisicamente a tentar segurar e dar trabalho a uma defesa de quatro.
O golo de Postiga acalmou a equipa portuguesa, a vontade de atacar muito transformou-se em boa posse de bola, intencional, à procura do momento para rasgar a defesa contrária. Moutinho procurava Ronaldo e apesar de os golos não aparecerem ficava no ar a boa ideia que estava na origem de tal forma de jogar. Só que depois de meia hora de domínio absoluto a equipa lusa deixou-se perturbar, perdeu discernimento e cometeu erros que poderiam ter dado mau resultado para quem tanto precisava de (e queria) ganhar. A partir de determinada altura, aí pela metade da segunda parte, Portugal pôs-se a jeito para sofrer um desgosto. O meio-campo deixou de controlar o jogo, permitiu saídas rápidas para o ataque e tanto Shirokov como Kerzhakov ou Bystrov (bicicleta arrepiante) podiam ter batido Patrício. É que do lado português Moutinho e Ronaldo pairavam muito acima de todos os outros - é essa a realidade da equipa (pelo menos) nesta altura -, mas não conseguiam fazer tudo. À Rússia, que defende bem e poucas vezes se desorganiza, interessava que o jogo se partisse e a bola andasse de uma área para a outra rapidamente. Alinhar no esquema poderia ser desastroso para as aspirações lusas, como se viu em alguns contra-ataques em que a bola era cruzada da linha de fundo para trás e Portugal não tinha a devida cobertura na cabeça da área.
O importante para os portugueses ficou feito, a equipa volta a ter o Brasil como meta, mas tão fantástico público merecia uma pouco mais do que uma entrada à campeão e depois esperar com impaciência que terminasse depressinha, por o dito potencial campeão se ter ido embora cedo, dando lugar a um grupo solidário e valente. Aceita-se - se calhar é mais correto tolera-se -, porque não era dia de nota artística. Os pontos pesavam muito.
