Incapaz de justificar a vantagem, o Benfica - com marcha-atrás tática e abébia de Artur - fez com que o rival acreditasse ainda mais que, à 6ª tentativa, levaria a taça para o Minho
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Numa final chochinha, a convicção foi o fator de separação das águas, foi o elemento que fez toda a diferença entre um Benfica que não soube justificar, nem segurar, uma vantagem caída do céu à meia hora de jogo e um V. Guimarães humilde, ciente desde o primeiro minuto da menor capacidade de armamento, mas seguro de que, com menos, seria capaz de fazer mais e confiante de que, à sexta tentativa, poderia levar mesmo o caneco para a Cidade Berço, rebentando, mais tarde ou mais cedo, com as previsões que favoreciam o adversário. O êxito dos vimaranenses traduz também o triunfo tático de Rui Vitória sobre Jorge Jesus. O primeiro fez com que, no seu 4x2x3x1, os extremos (Ricardo e Soudani) e o médio de ligação (Tiago Rodrigues) se esfolassem para bloquear as zonas de construção e de saída de bola do 4x4x2 habitual do Benfica, forçando o opositor a resumir-se muitas vezes ao jogo direto, um estilo que, como é óbvio, seria mais confortável para quem tinha de destruir - ou roubar para contragolpear. Já na segunda parte, mexeu na equipa com precisão e depressa foi premiado - a história da reviravolta começou num brinde de Artur (79'), dois minutos após a segunda substituição, com a troca de um trinco (Leonel Olímpio) por um médio-ofensivo (Crivellaro), depois de ter sacrificado um lateral (Kanu) para a inclusão de um extremo (Marco Matias).
No banco contrário, a preocupação de Jorge Jesus em defender o 1-0 foi evidente e comprovada pela saída de um avançado (Cardozo) e entrada de um extremo raramente utilizado (Urreta), derivando Gaitán para o centro do meio-campo. Essa opção, porém, acabou por resultar a favor do... adversário, que viu nesse encolhimento um convite, isto é, uma possibilidade para se esticar e chegar ao(s) golo(s). E assim foi. Discutível, a decisão de Jesus não terá previsto a falta de disponibilidade dos jogadores para sofrer e aguentar afrontas, tão fragilizados que ficaram com os desaires no jogo do título e na final da Liga Europa. Certo é que as consequências de nova perda podem ser trágicas para o treinador, que foi enxovalhado e recriminado pelos adeptos por causa do inferno em que o fim de época se transformou. Por outras palavras, ao terceiro fracasso em maio, Jesus foi pressionado, a quente, para esquecer a renovação e sair já pelo seu pé.
Fazendo, mais uma vez, da unidade e da organização as suas virtudes, o V. Guimarães reduziu a pouco ou quase nada a intensidade e a vontade do Benfica no primeiro tempo. É verdade que, ao primeiro lance de laboratório - um pontapé de canto (10') -, os encarnados cheiraram o golo, negado, em voo, por Douglas a Garay. Depois disso, e passado precisamente um minuto sobre um contra-ataque (cinco contra dois) do Vitória que Addy concluiu com uma remate à malha lateral da baliza de Artur, o melhor que os lisboetas fizeram foi meter uma bola na área e criar uma aflição dos diabos que levou Kanu a um desesperado alívio contra Gaitán. Foi, de facto, um "chouriço", como lhe chamou Rui Vitória na conferência de Imprensa, mas punha os homens de Jorge Jesus na frente. Só que essa supremacia no marcador nem por isso os motivou a cimentar uma posição que não oferecesse dúvidas quanto ao vencedor da 73ª edição da Taça de Portugal. Nesta fase do encontro, por baixo no marcador, o principal problema dos vimaranenses era encontrar a melhor fórmula para cozinhar ofensivas, descobrir caminhos diferentes para alimentar a pretensão de discutir o sucesso na prova.
Os minhotos voltaram do período de descanso com melhores intenções e remataram mais vezes de fora da área, embora sem grande perigo. Mas era um indício do que estava para acontecer. E viu-se mais do Vitória quando o seu treinador prescindiu do trinco (Olímpio) e recuou o criativo Tiago Rodrigues para a linha de André, espetando Crivellaro no apoio direto a Baldé, já com Marco Matias a romper na direita (e Ricardo nas costas). À esquerda, procurando chegar-se a Baldé, continuava Soudani, que foi o feliz contemplado pela assistência de Crivellaro no 1-1, após gafe de Artur a despachar a bola. Nesse instante - a legalidade do lance até pode ser debatida em face do posicionamento legal ou irregular de Soudani no momento em que a bola lhe é endossada no corredor central -, o Benfica entrou em parafuso, não queria acreditar que, para sua desgraça, o chão se lhe escapava outra vez e, atordoado que estava, encaixou o segundo golo logo a seguir, num lance em que a medalha de mérito tem de ser depositada no peito de Ricardo. Naqueles segundos, o goleador-mor do V. Guimarães na Taça espelhou o atrevimento, a ousadia, a crença e a determinação que correram nas veias do conquistador.
