"Vi cuecas da Gucci no Real Madrid e pensei: 'Espero que as minhas não tenham buracos'"
Fede Valverde recordou o primeiro treino que realizou no Real Madrid, admitindo que ficou espantado com o luxo que os jovens da equipa desfrutavam, em contraste com o meio pobre onde cresceu, no Uruguai
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Fede Valverde, médio do Real Madrid, concedeu esta terça-feira uma entrevista à plataforma “The Players' Tribune”, na qual falou sobre o meio pobre onde cresceu, no Uruguai, salientando os sacrifícios que os seus pais tinham de fazer para sustentá-lo.
"O meu pai trabalhava como segurança num casino. A minha mãe trabalhava numa loja de roupa e também vendia roupa e brinquedos nas feiras de rua. Ainda consigo ouvir o barulho das rodinhas quando ela empurrava um carrinho enorme cheio de caixas. Parecia um carrinho que só o Hulk conseguia mover, mas ela ia lá e movia-o sozinha, coitada. Uma verdadeira guerreira. Fosse qual fosse o calor, o frio, a chuva ou a trovoada, ela ia chegar à feira com aquele carrinho”, começou por contar.
"Às vezes eu ia com ela e sentava-me em cima de um caixote, a olhar para os carros, sem reparar no sacrifício dela. O pior é que, no fim do dia, a minha mãe tinha de dobrar toda a roupa, arrumar tudo outra vez e empurrar o carrinho de volta para casa. E depois cozinhar! E lavar as minhas meias sujas! Conseguem imaginar? Estou a dizer-vos, a minha mãe é o meu ídolo. O que ela às vezes sacrificava para que eu pudesse ter a minha lata de Coca-Cola, nem sei... E nem sei se quero saber. Em criança, somos muito inocentes. Vemos a nossa mãe a saltar uma refeição e talvez pensemos: ‘Uau, ela não tem fome? Que estranho, eu estou a morrer de fome’”, prosseguiu.
"Talvez eles [os pais] não tivessem dinheiro para pintar a casa toda, mas pintaram um bocadinho da parede do meu quarto e parecia nova. O meu pai atirava água com uma mangueira para o exterior da casa e essa era a nossa pequena piscina. Lembro-me que não queria que os meus colegas fossem a minha casa porque só tínhamos três canais na televisão, os que eram grátis. A nossa televisão estava numa mesinha que tinha três rodas. Se lhe tocássemos, caía para um lado”, recordou.
Foi através do futebol que o médio, de 25 anos, conseguiu mudar a vida da sua família, ainda que essa subida ao estrelato tenha também resultado numa mudança negativa na sua atitude, tal como o próprio explicou.
“Infelizmente, o futebol também me mudou um pouco. Quando me tornei profissional no Penarol, aos 16 anos, pensei que era Deus. Não sei se as pessoas conseguem perceber o que significa passar de um zé-ninguém para alguém que anda na rua do seu bairro e de repente os adultos vêm ter contigo, porque querem uma fotografia. Recebemos mensagens de raparigas que nem sequer olhavam para nós na semana anterior. Toda a gente quer ser tua amiga”, destacou.
“Lembro-me de o meu pai me dizer: ‘Porque é que já não vês aquele rapaz? O que se passa contigo? Este é o teu amigo desde que brincavam juntos na rua! Vai para ali’. Mas eu tinha-me perdido e tinha substituído muitos amigos por outros, como muitos jovens jogadores. Não é que eu estivesse a fazer algo de errado, mas era mal-educado. Lembro-me de ver os miúdos à espera de um autógrafo meu e eu a hesitar: 'Ufff.... Paro ou vou diretamente para casa? Hoje estou muito cansado’”, lembrou.
Valverde também recordou o primeiro treino que realizou na academia do Real Madrid, que o contratou em 2016, quando tinha apenas 18 anos, frisando o espanto que sentiu quando viu o luxo que os jovens da equipa já desfrutavam em tão tenra idade.
“Começaram todos a ir para o duche e foi aí que vi roupa interior da Gucci. Cuecas da Gucci, caraças! Quando é que inventaram isso? Quanto é que custa algo assim? Eu só pensei: ‘Espero que os meus não tenham buracos, espero que a minha mãe tenha controlado isso quando os lavou’. Fiquei sentado 20 minutos a fingir que estava a ver algo de importante no telemóvel. A única coisa que queria era perder tempo. Começaram a olhar-me com caras de ‘Tudo bem, irmão? Passa-se alguma coisa?’ Nunca me senti tão pequeno”, completou.