Um treinador português na Finlândia: "Não pudemos ir ao melhor supermercado..."
As limitações financeiras do IFK Mariehamn condicionaram muito as contratações, mas Bruno Romão sente-se capaz de fazer um brilharete e chegar aos seis primeiros lugares
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Ao comando do IFK Mariehamn, o português Bruno Romão tem esta tarde a oportunidade de cimentar a posição de liderança na liga finlandesa. Depois de ter entrado com uma vitória (3-2) sobre o Ekenas na primeira ronda, a sua equipa recebe este sábado o KuPS, um dos favoritos ao título de uma prova na qual ambiciona terminar a primeira fase entre os seis primeiros.
Já treinou em Portugal, Arábia Saudita, Cabo Verde, Coreia do Sul e Egito, várias vezes como adjunto. Agora, tenta a sorte na Finlândia, com uma equipa que não pode jogar “de peito aberto”
Até onde pode chegar o IFK Mariehamn nesta sua época de estreia no futebol finlandês?
-Somos 12 equipas e após 22 jogos da primeira fase temos depois uma fase de apuramento de campeão com seis. Se as coisas correrem bem, podemos lá chegar, mas temos de ir jogo a jogo. É pontuarmos, amealharmos e depois veremos o que acontece.
Quais são os favoritos?
-O HJK é o que se destaca mais, porque tem o maior orçamento e um plantel profundo, com qualidade. Depois, há o Inter Turku e o KuPS, que vão andar lá em cima nos três primeiros lugares. E ainda o Ilves Tampere. A seguir a esses, as equipas são muito equilibradas.
A Direção exige-lhe que chegue aos seis primeiros?
-Felizmente, a Direção entende bem as limitações, quer do plantel, quer financeiras do clube. Sabem que o que acontecer de muito positivo vai ser espetacular, mas também sabem que a época será potencialmente difícil.
Isso significa que não se sente pressionado?
-Temos que ser realistas. Temos potencial e jogadores com qualidade. Vamos competir, vamos ganhar, mas às vezes também vamos perder e temos que ter consciência disso. Há um alinhamento entre a minha forma de pensar e a Direção e por isso não existe essa pressão de momento. Talvez a meio do segundo ano ou no terceiro possamos começar a sentir essa pressão.
Como ajudou a construir este plantel?
-Em face do orçamento reduzido, tivemos de contratar jogadores, vários deles, que nas duas últimas épocas não jogaram muito. Um deles, por exemplo, tem potencial, mas está lesionado e quase não jogou nas duas últimas épocas. Não pudemos ir ao melhor supermercado. Tivemos de ir aos mais baratos.
Quais os melhores jogadores do grupo?
-Não temos ninguém com currículo que se destaque. Temos, sobretudo, um plantel equilibrado.
E quais os pontos fortes do plantel?
-Defensivamente, somos uma equipa sólida, com bons níveis de organização, que trabalha bem, que gosta de pressionar alto e, depois, recuperar a bola e criar chances. Mas também gostamos de ter bola e jogar em qualquer zona do campo, preferencialmente o mais próximo possível do golo. Somos uma equipa que consegue jogar. Mas ponto forte é mesmo a saúde do grupo, porque uma equipa não tem sucesso se o grupo não for bom e também saudável.
A defesa é a principal preocupação? São uma equipa de transição?
-Temos uma ideia de jogo, que passa por dominarmos os espaços com e sem bola. Se não conseguirmos isso teremos mais dificuldades, porque não somos uma equipa que se possa abrir e possa jogar de peito aberto. Acredito que vamos acabar por ter sucesso.
Dez horas e meia cada deslocação
O IFK Mariehamn está sediado no arquipélago de Aland, a cerca de 300 km de Helsínquia, capital finlandesa. O problema é que as deslocações têm de ser feitas por mar, através de um ferry. “Para Helsínquia são cerca de dez horas e meia. Mas viajamos durante a noite, a dormir”, conta Bruno Romão, elogiando o país para onde emigrou há três meses e meio: “Estou a gostar da tranquilidade. São pessoas abertas a ideias diferentes. É um país muito preocupado com o bem-estar, com as pessoas terem tempo de qualidade. Que as pessoas trabalhem, obviamente, mas que tenham tempo de qualidade na sua vida pessoal. Terem um bom equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.”
“O calor limita mais do que o frio”
Na Finlândia, o clima continua agreste, com as temperaturas mínimas ainda negativas. A neve, por vezes, obriga à presença de tratores no relvado, “um para empurrá-la e outro para varrer os restos que ficam”, conforme conta Bruno Romão. “Muitos estádios, como o nosso, têm um sintético aquecido. E a menos que a temperatura esteja mesmo muito baixa, com dez negativos ou ainda menos, os treinos e os jogos decorrem normalmente”, acrescenta um treinador que já trabalhou em Cabo Verde ou no Médio Oriente, sob temperaturas elevadas.
“O frio afeta bastante menos do que o calor. Quando o frio é muito, as extremidades ficam geladas, não sentimos os dedos dos pés e das mãos, mas consegue-se trabalhar. O calor limita mais, até os níveis de intensidade. O jogo torna-se mais lento. E eles aqui na Finlândia usam um ditado engraçado: ‘Não está frio, nós é que temos a roupa errada’”, diz, garantindo que o grupo suporta bem o gelo e a neve: “Desde que nós estejamos preparados para estar no exterior, ao nível da roupa de treinos, não há problema. Quando está muito frio temos de tocar mais com a parte lateral. Quando há pisadelas, há dor, claro. A bola fica mais dura também. Mas os jogadores já estão adaptados a isso”.