Um português a festejar na Tailândia: "Sempre coloquei expectativas altas"
A aventura de Luís Viegas deu para descoberta pessoal e familiar, com carreira impactante no futebol asiático, num papel novo.
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Luís Viegas nasceu em Coimbra, o futebol fez dele jogador e jornalista (com passagem por O JOGO) e outros caminhos se abriram mais tarde como diretor de comunicação no Beira-Mar e observador já com muitos créditos amealhados na Tailândia.
Na seleção, trabalhando de perto com o brasileiro Mano Polking, conquistou em 2023, pela segunda vez consecutiva, o título do sudeste asiático. Uma experiência de sucesso que também descreve uma rota da vida, pois Luís Viegas é já casado com uma tailandesa, identificando cada pedaço da abundância de ritmos e cheiros de Banguecoque. É mais um português vencedor, explorando uma geografia pouco comum com muito espírito de aventura e competência.
"Sempre coloquei expectativas altas, e estando fora do meu país tenho mesmo de as superar. Estou muito satisfeito pelo reconhecimento das pessoas. Felizmente, conseguimos na seleção os títulos que faltaram nos clubes. Vencer esta prova e celebrá-la num país de 90 milhões não podia ser mais gratificante", argumenta Viegas, falando em nome da aliança com Mano Polking, cimentada a partir do Bangkok United e fortalecida no Ho Chi Minh City, do Vietname.
"Foi uma adaptação fácil, mesmo trocando uma cidade como Coimbra de 100 mil habitantes por um país de 90 milhões. Apanhei um estilo de vida radicalmente diferente, um ritmo distinto, mas pessoas muito acolhedoras. Encaixei na cultura, percebendo que o mercado asiático ia ter grande projeção. É uma tendência que está aí para continuar, basta ver pela ida do Ronaldo para a Arábia Saudita", sustenta.
"Cheguei com o Rui Bento, a equipa lutava para não descer, mas, pertencendo à maior empresa do país, havia muita ambição de crescer. O clube estava a tentar dar o salto, alterando muito as suas ambições. Era uma realidade nova com dores de crescimento inerentes. O Rui voltou a Portugal, eu tive a oportunidade de ficar como analista. Ao fim de um mês, chegou o Mano. O Bangkok foi um projeto de seis anos e o clube transformou-se, tornou-se grande, estruturado para competir pelos lugares da frente. Pena ter faltado o título. Merecíamos!", avisa. "Demos um perfil, a equipa ficou conhecida por praticar o melhor futebol do país, com cunho ofensivo", vinca Viegas que viu uma breve passagem pelo Vietname anteceder a chamada da seleção. "Aqui, o adepto gosta de ser entretido. A aposta foi feita num contrato de seis meses, em que estávamos dependentes do que fizéssemos na Taça do Sudeste Asiático, esta mesma novamente conquistada. A prova foi excelente, muito acima das expectativas, fomos campeões e deu-se a renovação por dois anos. Tivemos muita aceitação, porque foram lançados vários jogadores e o futebol jogado era muito apreciado", explica, aprovando os avanços dados no país por um futebol mais capaz e audaz, tocando na ferida mais difícil de sarar.
"Vejo uma grande evolução estrural, os clubes não se preocupam apenas em gastar dinheiro com jogadores, pensam em campos de treino. Há uma facilidade de as pessoas responderem ao que é pedido. Lembro-me que o Rui Bento pediu arcos para os treinos e, como eles não sabiam o tamanho, compraram quatro ou cinco modelos. Investe-se em material, em software, ao nível dos melhores clubes da Europa. Há um problema que subsiste, mesmo reconhecendo a evolução do campeonato, da arbitragem, das estruturas e da questão comercial com jogos promovidos em várias plataformas, que passa pela falta de competições ao nível da formação. Os jovens competem pelas suas escolas, num modelo japonês. Temos batalhado para que isso mude, acho que vai acabar por acontecer, os nossos jovens precisam de competição", desvenda.
"A seleção é tecnicamente evoluída, mas com carências táticas, que vamos tentando mitigar. Uma grande vantagem tem sido a ida crescente de atletas para o campeonato japonês", explica.
Hábitos budistas e a numerologia no futebol
Luís Viegas confessa-se envolvido com o contexto global da Tailândia, entendendo as complexidades sociais e culturais.
"A cultura tailandesa é muito marcada pela senioridade, o mais velho está sempre certo, mesmo quando está errado. Isso gera situações difíceis. Nos treinos, os jovens tratam os mais velhos por senhores, o mais novo não pode responder ou reagir ao mais velho. E não pode fazer uma entrada dura. Isso é um bocado limitador, mas é preciso saber lidar", expressa, partilhando momentos mais surreais.
"Assinalo o respeito pela figura do rei, propriamente aquele que faleceu em 2016. Nessa altura, o campeonato parou de imediato e acabou como estava em termos de classificação. É uma devoção impressionante, como se fosse um Deus. São quase todos budistas, têm na vida adulta de cumprir um período de monges, são cerca de duas semanas num templo com diversos rituais. Já perdi jogadores por dois jogos por causa disso, cortam cabelo e sobrancelhas nesse compromisso com a religião. Tive um outro jogador que fazia parte dos quadros da polícia . Com exames, estágio, faltou a jogos", desvenda, aludindo ainda ao universo da superstição, fundador de crenças inabaláveis.
"São muito dependentes da numerologia e das cores. Há quem mude de nome ou de número. Um mudou três vezes seguidas de número, é um grande negócio, pagam-se fortunas por determinados números de telefone. Por matrículas também. Já aconteceu mudarmos cor de equipamento numa expectativa de mais sorte. Tínhamos um grupo de monges que nos pedia um período de oração para a equipa ficar fortalecida ao nível da paciência e ponderação. Depois do Leicester ter sido campeão, os monges que organizaram essas orações para eles, foram imensamente requisitados", relembra o português.
Mano Polking, um dia reforço do Benfica
Apesar da vida muito estável na Tailândia, pessoal e profissionalmente, Luís Viegas está consciente dos próximos passos a dar, perspetivando um timing para mudar a rota asiática quanto à primazia dos seus campos de interesse.
"Vejo o meu futuro em Portugal a breve prazo. O treinador com quem trabalho não quer prolongar muito a sua atividade, que entende ser desgastante, e pode retirar-se em cinco ou dez anos. Tenho essa meta de anos para mudar de funções, investir mais na direção desportiva, scouting ou team-management. Gostaria de voltar. Olho de longe e gosto da evolução do nosso campeonato", precisa, não esquecendo a paixão pela Académica, onde jogou, e a simpatia pelo Beira-Mar, onde exerceu funções na comunicação.
"Na Académica, não me surpreende o abismo. É preciso mudar a mentalidade internamente, o modelo de gestão tem de ser outro. Já o Beira-Mar parece-me um clube renovado à procura de progredir para outros patamares", notou, antes de ser desafiado a relatar-nos quem é Mano Polking.
"O Mano saiu do Brasil com 18 anos para jogar no Benfica, Acabou por ir parar ao Alverca. Morava no Estádio da Luz, ficou seis meses e voltou ao Brasil. O que ele sempre diz é que ficou um ótimo jogador de snooker, praticando num café junto ao Estádio da Luz. Acabou por voltar à Europa para fazer carreira na Alemanha, onde tem dois filhos. Ele tem também passaporte alemão. Jogou ainda no Chipre com o Ricardo Fernandes e começou por ser adjunto do Winfred Schafer, formando-se como treinador. Especializou-se no mercado asiático, tem ideias modernas e muito organizadas. E aposta num futebol ofensivo", desfia.
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