
João Janeiro
Treinador português de 40 anos, comanda a liga da Hungria com o modesto Kisvarda, clube sem troféus no currículo e proveniente de uma vila de 16 mil habitantes, que tem abalado as forças vigentes no país
Discípulo de Johan Cruyff, de quem foi aluno, João Janeiro montou uma equipa cujo bom futebol tem encantado a crítica e que tem estado à altura do peso mediático de um primeiro lugar falado além-fronteiras.
Como é que surgiu a oportunidade de trabalhar no Kisvarda?
-O convite surgiu através da "big-data". Já estava a trabalhar na Hungria e os diretores do Kisvarda dão muita relevância à estatística e ao modelo de jogo. Basicamente contrataram-me após recorrerem a ferramentas que analisam mais de cem parâmetros do jogo e confirmarem o que tinham visto do meu trabalho. Pediram-me para ir a Kisvarda apresentar o modelo de jogo, eu fui e assinei contrato.
A Imprensa húngara tem elogiado bastante o futebol atrativo da sua equipa. Quais as influências mais fortes do modelo de jogo que tem adotado?
-Eu tenho uma mescla de Inglaterra, Portugal e Países Baixos nos meus estudos. Tive a oportunidade de estudar na Universidade Cruyff e ele foi, inclusive, meu professor e mentor, em 2004. O meu modelo baseia-se nestas experiências e o resto foi surgindo com o empirismo. Foi difícil impor as minhas ideias, porque estamos a falar de uma equipa que tem oito nacionalidades e cinco religiões diferentes. O nosso modelo assenta num jogo de risco, mas calculado. Se formos ver a média de golos não temos muitos sofridos e a nossa média de golos marcados é de quase dois por jogo.
Como redimensionaria o feito do Kisvarda para uma realidade portuguesa?
-Pela geografia, no sentido que isto é uma vila muito pequena, e pelo facto de ser uma equipa que está há quatro anos na primeira divisão eu diria um Moreirense. Imaginem que eles eram líderes e que já tinham ganho nas casas do Sporting, do FC Porto e do Benfica. Somos de uma vila humilde e de malta trabalhadora, que tem muita vontade de aprender. Por isso, o recrutamento torna-se difícil. Isto é um bocado isolado e tem que ser muito específico e bem feito, porque senão pode criar problemas.
Nesse cenário, a formação ganha ainda mais importância?
-O clube tem uma academia categorizada pela UEFA com cinco estrelas. Posso dizer que saíram seis titulares do ano passado e só chegaram três reforços. O resto fui buscar à academia. Assisti a vários jogos dos sub-17 até à equipa B e promovi quatro jogadores, um deles já foi chamado aos sub-19 da Hungria.
Como é que os grandes clubes húngaros têm lidado com esta afronta?
- Acho que no final de cada jogo há sempre uma resignação do outro lado, porque, estrategicamente, temos estado muito bem. Mas sente-se na pele o custo que isto pode ter dentro do próprio jogo. Acho que não preciso de dizer muito mais do que isto. Mas posso dizer que essas situações dão-nos gasolina quando o motor está quase a ficar seco.
A equipa e o treinador têm lidado bem com a fama?
Não é fácil, porque é algo que suscita muita curiosidade. Ainda há uns dias, o maior canal televisivo da Hungria veio cá entrevistar-me. A nossa caminhada também tem suscitado muito interesse dos países aqui ao lado: Ucrânia, Croácia e Áustria. Os jogadores não estão habituados a este nível mediático. Nós estamos muito afastados de Budapeste. Não é fácil alguém vir cá e, agora, passam cá os dias. Quanto a mim estou sempre a pensar no próximo jogo, em preparar os treinos e em analisar os adversários. Contudo, no geral, acho que temos mantido os pés assentes na terra.
"Fiz consultoria tática ao Marcelo Bielsa"
Antes de mergulhar de cabeça na carreira de treinador, João Janeiro foi consultor tático de alguns nomes sonantes da classe, como Marcelo Bielsa (na foto). "Na altura fazia análise tática e acabei por fazer consultoria para vários treinadores, na maior parte das vezes através dos adjuntos. No caso do Bielsa foi diferente porque ele respondeu-me a uma carta e ficou interessado no meu trabalhos. Fiz a análise de adversários para ele e também para o Walter Zenga. Houve outros, mas assinei acordos de confidencialidade e não posso dizer nomes", explicou.
