João Leite, recordista de partidas (684) pelo At. Mineiro, e Wilson Gottardo, capitão do último Botafogo campeão (1995), lançam a final de hoje para O JOGO
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Duelo de alvinegros, o Fogão do Rio, de Garrincha e Paulo Cézar Caju, o Galo, também chamado Maior de Minas, de Dadá Maravilha ou Reinaldo, os primeiros mais folclóricos, os segundos mais políticos, icónicos no combate ao racismo dentro do futebol brasileiro, desafiadores da ditadura militar. Esta é uma final inédita, embora Botafogo, atualmente treinado pelo português Artur Jorge, e Atlético Mineiro, que tem como capitão o bem conhecido Hulk, se tenham cruzado numa decisão do Brasileirão em 1971. Agora tentarão ser reis da América do Sul, honra que apenas cabe ao emblema de Belo Horizonte, vencedor da Libertadores em 2013 com Ronaldinho Gaúcho.
O sentimento pelos clubes chega-nos de quem jogou em Portugal... Desafio entregue a João Leite, recordista de jogos (684) no Galo, antigo guarda-redes do V. Guimarães. Do outro lado, o capitão do Botafogo em 1995, campeão brasileiro na batuta de Paulo Autuori, com quem estivera no Marítimo, embora para Wilson Gottardo, 272 jogos pelos cariocas, a passagem por Portugal foi fugaz.
Toma a palavra o famoso ‘Goleiro de Deus’, pai do ex-Boavista e Benfica, Helton Leite. Arranca generoso, envolvendo mais história. “Há sempre uma bela rivalidade entre mineiros e cariocas. Eu estava começando, ainda juvenil e assisto ao título do Galo no Maracanã, vencendo o Botafogo com golo de Dadá, valendo o título em 1971. E uns anos antes, em 1967 há uma decisão da Copa do Brasil com sorteio da moeda que sorriu ao Atlético. Cada equipa tinha vencido um jogo e no desempate do terceiro, após empate, foi por cara ou coroa. Isso deu muita polémica, foi no Mineirão, e consta-se que povo atleticano saltou a correr antes da moeda cair e um jogador do Galo, o Décio, havia antecipado o desfecho da moeda e comemorado”, rebobina, sinalizando bela fita e enredo para ajuste de contas.
Wilson Gottardo, que conhece o sabor da Libertadores, vencida pelo Cruzeiro, em 1997, abre também as suas expetativas. “É um orgulho ver o Botafogo vivendo fase tão emocionante e tentando uma conquista inédita. Deixo o recado, que joguem por eles, pela história do clube e pelos adeptos. Essa é a alma do Botafogo. Assim como fizemos dando esse título em 1995, feito de sacrifícios, renúncias e competências. Esta geração pode eternizar o seu legado, pois a Libertadores é mais que um troféu, é símbolo de superação e glória que o Botafogo merece”, expressa Gottardo, de coração aos saltos e palavras poderosas. “São clubes de histórias ricas, camisas pesadas e torcidas incríveis. Marcados também por grandes desafios na busca de títulos. Apanhei um Botafogo maravilhoso, todos eram relevantes. Essa conquista parecia impossível.”
João Leite viveu uma era linda do Galo com Luizinho, Cerezo, Isidoro, Éder Aleixo ou Reinaldo mas as decisões foram perdidas para o Flamengo, o que prolongou uma deceção até uma conquista recente do Brasileirão que teve Hulk de protagonista. “Vejo o Botafogo muito preparado e com uma equipa muito bem encaixada. Há aqui um impressionante sucesso do Artur Jorge, é mais um caso do acerto do treinador português. Helton bem me diz que eles amam e estudam imenso o jogo. Se pudéssemos falar de favorito seria o Botafogo...”, vinca, questionando esse campo teórico. “Não se pode achar que será fácil, porque o Atlético tem grandes jogadores na linha de ataque. Vai ser um jogo daqueles! Espero que o Atlético faça um desafio monumental”, avisa João Leite, confessando que “torcer é pior que jogar”.
Wilson Gottardo está fascinado com o trabalho desenvolvido por Artur Jorge e também coloca na balança o recente calendário das equipas, com um Botafogo a perseguir o título no Brasil, e o Galo, arredado da luta, apenas a preparar mentalmente os seus atletas para o jogo da época. “Vejo duas diferentes abordagens a um momento crucial. O Botafogo vem mantendo uma regularidade competitiva impressionante e é a equipa que melhor futebol apresenta. Mostra confiança e ritmo. Está aí uma mentalidade vencedora. O Atlético parece uma equipa em reconstrução, que perdeu ou diminuiu magia e estrutura. Vejo-os unicamente focados na força física para restaurar a confiança. Dependem muito do Hulk, muito bem preparado e focado. Há ainda o Paulinho mas é uma equipa pouco criativa”, compara.
Dois amores contra o Galo
Wilson Gottardo tem dois amores flagrantes da sua carreira como defesa-central, ainda para mais com honra de capitão. Duas paixões, a do Botafogo e a do Cruzeiro, que convergem num denominador comum, frustrar o Galo nessa final da Libertadores, um por medir forças pelo troféu, o outro por ser o eterno rival no estado. ”Sou sempre Cruzeiro, é o maior de Minas Gerais. Sou muito grato por ter sido capitão e campeão aí na competição mais importante da América do Sul. Todos os cruzeirenses vão vestir o preto e branco da Estrela Solitária do Botafogo, essa camisola tão célebre em Garrincha, Nilton Santos e Paulo Cézar Caju”.
“Autuori foi mais que um técnico”
Gottardo, ex-Marítimo, e Donizete, ex-Benfica, curvam-se ao papel de Paulo Autuori, técnico brasileiro que passou por estes dois clubes.
Campeão em 1968 - geração de Gerson, Caju ou Jairzinho - e 1995 - com Túlio Maravilha de artilheiro -, o Botafogo contou com Gottardo e Donizete nessa última proeza. “Uma época mágica, cada peça do elenco tinha uma função essencial. Autuori foi mais do que um técnico, foi um verdadeiro líder. Uniu, deu muita confiança, uma identidade e uma mentalidade vencedora”, expressa Gottardo. Donizete vai mais longe na paixão pelo manto alvinegro. “Fiz uma dupla maravilhosa com o Túlio, deu tudo certo. Jogávamos por amor, porque nem recebíamos, não tínhamos lugar para jogar, mas estávamos sempre felizes por vestir essa camisola. Joguei grande parte da época lesionado, tinha a perna rasgada, mas dava a vida pelo clube. Não vou esquecer a dupla dinâmica com Túlio”.
Desvio de Helton Leite
Helton Leite, agora a defender o Corunha, não agarrou o escudo do Atlético, onde o pai foi recordista de jogos, fazendo quatro épocas no Fogão. “Aqui sempre se fala que atleticano vai de vovô para papai, e que papai falou para mim dessa paixão. Aqui é tudo atleticano, filhos e netos. Só deu esse desvio do Helton. Eu esperava que ele jogasse no Atlético mas fez outro caminho e passou bem pelo Botafogo. Não sei como está o coração dele! Aqui em casa torce tudo pelo Galo”, realça João Leite.
Fé de Luizinho e de Donizete
Luizinho, antigo jogador do Sporting, senhor de 449 jogos pelo Galo e 34 internacionalizações pelo Brasil, alinha pelas cores mineiras. “É muito importante o Atlético Mineiro conseguir esse título da Libertadores. Eu acredito muito! Sei que o Botafogo está forte, numa ótima forma, mas esse jogo não tem favorito. O Galo é uma equipa forte, de tradição, e também joga com a condição física, tem força para encarar firmemente o desafio. O Atlético vai dar tudo pela sua torcida, sabendo que o Botafogo tem apresentado melhor nível esta época”, atesta, guardando a mágoa de não ter sido campeão em Minas Gerais. “Foi montada uma grande equipa mas, infelizmente, tivemos pela frente um grande Flamengo nessas caminhadas, que além de possuir ótimos jogadores, foi muito ajudado pelos árbitros. Eu acredito que virá a Libertadores, um título fantástico, mas para o vencer, o Atlético tem de valer pelo conjunto”.
“Momento do Fogão é maravilhoso”
Chamado de Pantera, Donizete faz meia temporada no Benfica em 1997, de bom rendimento, já depois do sucesso da passagem pelo Fogão, figura inestimável no título de 1995. “O Botafogo passa um momento maravilhoso com dois títulos importantes em vista. Não é normal uma equipa chegar com dois objetivos tão altos em aberto. Mostra categoria, união e seriedade a honrar a camisola. Todos pelo Botafogo! Além da raça há talento que sobra. Vejo uma equipa perfeita, muito completa em termos posicionais. Acho que tem uma vantagem para o Botafogo de possuir mais jogadores que entram e saem, não se ressentindo o coletivo. Mantém um ritmo alto. Já o Atlético se perde Hulk, Paulinho ou Scarpa passa dificuldades.”