"Só de sardinhas foram 500 quilos, mais bifanas e salsichas. O fim do mundo"
Gil e Elisabete tornam Gelsenkirchen mais portuguesa há 34 anos. Memória da final da Champions, em 2004, é motivo de orgulho e há uma francesinha inovadora, que agrada aos locais
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“Tente apanhar-me da barriga para cima, para não se ver a sujidade”. O pedido é feito por Gil, português natural de Pombal, ao aceitar tirar uma fotografia com a esposa, Elisabete, para a reportagem de O JOGO. Responsável por deliciar Gelsenkirchen com iguarias nacionais, vive uma noite anormalmente ocupada no “Bei Gil”, restaurante de que é dono há 34 anos. “Não estávamos a contar com tanta gente. Portugal joga aqui, sim, mas não contávamos”, diz, com as marcas na t-shirt a servirem de atestado ao trabalho na cozinha, onde tem a preciosa ajuda de Maria João, “portuense e portista”, como diz a própria, com vincado sotaque. A conversa vai fluindo e, rapidamente, recua até 2004. “Que dia, aquele da final da Liga dos Campeões. O FC Porto veio cá e nós organizámos uma grande festa na rua. Só de sardinhas foram 500 quilos, mais bifanas e salsichas. Foi o fim do mundo. Nunca mais nos esquecemos”, conta Elisabete, de Gondomar, com coração azul e branco.
A esposa de Gil aponta para um cartaz na parede. É alusivo à final entre os dragões com o Mónaco. “Em casa tenho aquilo em chapa”, revela. O marido, sorridente, é benfiquista, mas demonstra excecional sentido de fair-play. “Acho que quando estamos cá fora sentimos as coisas de maneira diferente. Queremos é o sucesso dos clubes portugueses. Aliás, tenho uma camisola guardada desse dia que está em casa embrulhada. Nunca a lavei”, confessa em hora de ponta, com portugueses, alemães - e não só - a entrarem e a saírem.
Um dos pratos de eleição é, pois claro, a francesinha. “Temos à moda do Porto, mas há uma receita especial que criei. É com chantilly. Os portugueses podem não gostar, mas os alemães adoram. Eles gostam de natas e molhos”, justifica Gil. “Há fins de semana em que servimos 30 ou 40 francesinhas. Mas não é a única coisa de que gostam. Biqueirão, sardinha, bacalhau, bifanas... Muitos alemães já foram passar férias ao Algarve e depois vêm a querer mais”, afirma o proprietário. Sem esquecer, claro, o digestivo. “Café e bagaço, também pedem muito. O nosso café é diferente do de cá”, explica. O JOGO ficou-se pela especialidade. A francesinha, confirma-se, é de qualidade certificada e, ainda que ajustada aos preços praticados na Alemanha, foi de comer e chorar por mais. Um “cheirinho” a Portugal no coração de Gelsenkirchen.
O que Gelsenkirchen juntou...
Sendo Gil de Pombal e Elisabete de Gondomar, O JOGO interrogou: onde se conheceu o casal? “Foi já na Alemanha, sim. Viemos os dois para cá e foi aqui que nos conhecemos”, revela o proprietário do restaurante, já “habituado” às ironias do destino. “Temos uma filha que nasceu aqui, mas queria muito voltar a Portugal, não se dava muito bem por aqui. Lá foi viver para Lisboa, mas conheceu um namorado alemão e, agora, vive em Hamburgo!”, conta, entre gargalhadas. A comunidade portuguesa em Gelsenkirchen, uma cidade operária, tem vindo a diminuir com o passar dos anos. “Houve uma fase em que viviam aqui mais de dois mil portugueses. Agora, não me quero enganar, mas o número andará à volta dos 400”, completa Elisabete. Além da união de facto entre marido e mulher, o restaurante também mostra “comunhão” a nível futebolístico. Junto ao balcão, além de dois cachecóis de Portugal, há um do FC Porto e outro do Schalke 04. Ambos, como é sabido, azuis e brancos.