Treinador argentino refletiu sobre os seus ideais políticos e ainda sobre a evolução do futebol ao longo das últimas décadas
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Jorge Sampaoli, treinador argentino que está sem clube desde que deixou os franceses do Rennes ao fim de dez jogos, no início desta época, abordou esta sexta-feira vários tópicos numa grande entrevista ao portal brasileiro Globo Esporte.
O antigo selecionador argentino, de 65 anos, que cresceu durante uma ditadura militar no seu país, começou por refletir sobre a atualidade política num âmbito mundial, explicando que, pela sua juventude, sempre se identificou mais com ideais de esquerda do que de direita.
“A direita, inclusive na atualidade, cresce em todo o mundo, praticamente conduz o mundo atual. Inclusive no meu país, por exemplo. Quando falamos de direita e esquerda, eu sempre pensei nisto numa visão mundial em busca de mais igualdade. Ver gente a dormir nas ruas, como eu vi no Brasil, em Santos, em Belo Horizonte, aqui no Rio de Janeiro... Estou muito mais perto desse povo, porque fui criado assim, sei como é ser uma criança numa casa em que o pai não consegue [dinheiro] suficiente para chegar ao fim do mês e, então, sou mais daquele povo ou do menino que tem dificuldades em comprar uma sandália ou uma chuteira para jogar futebol. Sempre estive mais perto desses lugares, por isso, identifico-me mais com isso”, explicou, admitindo ser fã do atual presidente brasileiro Lula da Silva e apelando a mais estabilidade nos governos dos países para a diminuição das desigualdades sociais.
“Hoje temos guerras, invasões e podemos estar muito perto de outra guerra mundial. É muito preocupante. Vemos o que acontece na Faixa de Gaza e ninguém consegue imaginar porque estamos aqui [Brasil], não imaginamos o que está a acontecer lá, se fosse aqui seria muito doloroso. Vamos para a direita, para a esquerda, para a direita e não existe uma orientação clara para uma direção, um caminho. A verdade é quem sofre é o povo com este tipo de mudança, porque são muito abruptas. Se muda o governo a cada quatro anos, quem sofre mais é quem menos tem”, apontou.
Questionado sobre a forma como essa visão do mundo se relaciona com o futebol que pretende implementar nas suas equipas, Sampaoli considerou que o “desporto-rei" perdeu a sua “arte” ao longo do tempo.
“Eu quero sempre que uma equipa ganhe, o meu lado competitivo não me deixa ser neutro. Não consigo separar, mas sinto que o futebol como arte ou como alegria de se jogar se perdeu muito. Vejo muitos jogos, mas pouco futebol. Os jogadores hoje não se divertem a jogar, pelo contrário, sofrem. É mais um combate do que um jogo. No Brasil, vemos, por exemplo, a aparição de um Estêvão e de outros jogadores que são criativos e têm liberdade, até que chegue uma estrutura de obrigações. Dizem que o jogador tem que fazer isso, fazer aquilo...”, refletiu.
“Eu vejo o Savinho no Manchester City, que nós estreámos no Atlético Mineiro, e ficamos orgulhosos por ver esse menino a desfrutar do jogo. Ele joga livre. No Brasil, eu acho que a excessiva automatização do jogo faz com que os talentos fiquem um pouco controlados. Imaginam Ronaldo ou Romário? Ninguém podia dizer o que eles tinham de fazer. Faziam por si só e eram o que eram. Agora fomos ao outro extremo. Aqui, toda a gente corre, toda a gente tem obrigações, mas retirou-se a liberdade do jogador em expressar a arte natural que sempre tiveram”, completou.