Quaresma: as trivelas, o racismo, o sonho do Ferrari e os adeptos do FC Porto
Quaresma contou algumas histórias da sua juventude numa entrevista ao Porto Canal.
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Histórias da adolescência: "Sempre fui muito reguila, muito atrevido, vivia em Campo de Ourique e ainda hoje há lá o Jardim da Estrela, onde jogava sempre futebol e eu ficava sempre nas equipas dos maiores, pois achava-me piada. A minha forma de pegar na bola, de querer fintar toda a gente e querer fazer pontapés de bicicletas nas pedras. Davam-me sempre oportunidade de jogar com eles. Ajudava-os a ganhar e quando não ganhávamos, já ficava com uma azia enorme, a mandar vir com eles e a querer andar à porrada. Era importante nascer com essa mentalidade de querer ganhar, isso faz-te crescer para a vida e eu sou uma pessoa com muito mau perder. Não sei lidar com a derrota e dentro do campo as pessoas sentiam isso. Sempre que estava a perder tentava ajudar a minha equipa e, quando não o conseguia, fazia asneiras. E por vezes prejudicava-me."
A etnia cigana sempre foi um problema na tua vida?: "Às vezes era difícil. As pessoas falam muito, dizem que não há racismo, ou vamos tentar mudar a mentalidade do racismo. Infelizmente há e vai ser haver. Senti que às vezes as pessoas olhavam para mim de maneira diferente. Qualquer coisa que acontecesse olhavam para mim, não quer dizer que me culpassem, mas às vezes o olhar diz muita coisa. Sentia isso, que era diferente das outras crianças. Mas isso sempre me deu força, tenho muito orgulho em ser cigano. Nasci cigano, hei de morrer cigano."
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Quando achas que o Sporting olhou para ti a sério?: "Na fase em que o meu irmão vai para o Sporting, o clube também me leva para treinar à experiência. Fiz um treino e fiquei logo lá. Toda a gente dizia que tinha muito talento e qualidade, mas poucos acreditavam que ia chegar onde cheguei. Gosto e sempre gostei de desafios, a minha vida é um desafio. Lembro de um dia dizer lá no bairro: 'Um dia hei de ter um Ferrari'. E muitos dos que estavam ao meu lado riram-se. Na altura não tinha nada, era de famílias humildes, e muitos duvidam se ia chegar lá acima. Não duvidam do meu talento, mas duvidavam da minha cabeça. Mas enganaram-se. Alguns ficaram a meio do caminho, mas eu consegui chegar lá."
Quando começas a usar sistematicamente o movimento da trivela?: "Foi nas camadas jovens. Batia cantos, faltas de trivela. Tive um treinador, num jogo em que se decidia o campeonato contra o Benfica, e num treino eu estava na equipa principal e fiz um golo de trivela e ele não gostou. E disse: 'Fazes isso amanhã e vens para o banco'. Levei aquilo para a brincadeira e logo a seguir faço a mesma jogada e meti a bola na gaveta outra vez. Olhei para ele, comecei-me a rir, ele mandou-me tirar o colete e mandou-me para o banco. Nesse jogo fui mesmo para o banco. Não achavam muita piada, mas nunca deixei de fazer aquilo. Não fazia por mal, nem para faltar ao respeito a ninguém. Depois de me conhecerem, perceberam que faz parte de mim."
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Relação com os adeptos do FC Porto: "Sempre andei ali entre o amor e o ódio, mas foi isso que me aproximou dos adeptos. Eles sabiam que quando me assobiavam eu pegava na bola e ia para cima na mesma. Lembro-me de um jogo contra o Beira-Mar, que estávamos a perder 1-0, e aos 90 minutos cruzei de letra e a bola foi para a bancada. Senti que os adeptos me queriam matar. Mas isso é a minha personalidade e não a vão mudar. E foi isso que nos uniu, porque eles sabiam que eu dava tudo pelo clube, que sentia e continuo a sentir. Por muito amor que sentia deles, outras vezes sentia que me queriam matar. Mas tu tens de perceber no clube em que estás. Isto é o Porto. No Porto não é qualquer um que joga."