Aos 23 anos, central já encanta numa liga vocacionada para o ataque e rende-se a uma mentalidade diferente
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Penetra é homem em foco no AZ Alkmaar, campeão neerlandês em 1981 e 2009. Grande arranque promete luta pela Champions e pelo título. História feita num recente 9-1 ao Heerenveen.
Que visão já se espreme desta aventura holandesa?
-O país é incrível, muito desenvolvido e organizado. Tudo funciona perfeito, a começar pelos transportes. Conseguimos encontrar tudo o que procuramos para ter uma boa vida. Estou muito feliz e em relação ao clube segue a linha dos Países Baixos, não nos deixa faltar nada. Já conheço os cantos à casa, sei como tudo funciona. Está tudo bem ligado e estamos a fazer um bom trabalho.
Apanhou um clube de ponta na realidade do país?
-É um clube bem consolidado internamente e na Europa, sabe o caminho a seguir para continuar a evoluir com resultados. Tem estado presente consecutivamente nas fases de grupos e o objetivo que temos passa por fazer melhor do que na época passada. Não sendo obrigação, queremos muito atingir a qualificação para a Liga dos Campeões, que passa por um lugar nos três primeiros, sabendo que é uma época longa e vai requerer muito trabalho. Não podemos desviar atenções, na Europa também queremos fazer boas prestações, pelo que o foco é jogo a jogo. Para já, é um início de época bastante positivo.
Vendo o bom arranque, podem lutar pelo título?
-Lutar pelo título é uma possibilidade, mas sendo sincero, o primeiro objetivo é fazer melhor do que na época passada. Fazer por chegar aos lugares da Champions, aproveitando os três lugares que temos que dão acesso. Ser campeão é difícil, mas não impossível. Mas a ideia está em cimentarmo-nos dentro dos três primeiros.
Vendo o exemplo do Ajax na época passada, sentem-se discrepâncias ou estão atenuadas?
-O Ajax não viveu grande época, tiveram muitas trocas. É um campeonato parecido ao português, os jogadores fazem boas épocas e seguem para as ‘big five’. O PSV está, neste momento, um pouco à frente dos outros, porque manteve boa parte da equipa, tem meio-campo de seleção, tem mais internacionais. O campeonato acaba por ser equilibrado, também há o Twente que ficou o ano passado à nossa frente e o Feyenoord, que tem sempre jogadores de muita qualidade. Aparecem sempre muitos jovens e saltam logo para outra dimensão. No geral, é o PSV com uma margem superior, mas sem muitas diferenças para Feyenoord, Twente, AZ, Ajax ou Utrecht.
Encaixou bem neste futebol de ataque e vertigem?
-Agora estou mais adaptado, mas no início fez-me confusão esse aspeto de ser um campeonato super ofensivo. Todas as jornadas repletas de golos. Comecei a perceber como era interessante, porque todas as equipas jogam para ganhar, a última também o fará contra os primeiros. Não há blocos baixos nem sequer um empate. A identidade geral é a procura da vitória e isso é positivo. Apesar de defesa, gosto bastante da parte ofensiva, embora também vibre com cada jogo em que a equipa não sofre golos. É uma liga atrativa que retira dos jogadores a parte mais bonita. O futebol ofensivo está presente e isso foi a melhor surpresa.
Diferenças significativas para Portugal?
-Destacam-se mais as qualidades dos jogadores, têm mais liberdade no que podem fazer em campo, a organização tática favorece o poder de decisão do jogador. Daí emerge o talento, o futebol ofensivo. Em Portugal é mais tático, os treinadores tendem a prender mais o jogador a uma posição ou a um papel em função do adversário. A mentalidade é diferente e o empate torna-se algo positivo. Aqui nunca é positivo, ninguém vai apreciar um 0-0. É uma diferença cultural à qual me adaptei.
Vendo as dinâmicas que trazia do Famalicão, sente-se confortável no desenho do AZ Alkmaar?
-No Famalicão comecei como central, primeiro numa linha de dois, depois a três. Na segunda época é que passei a lateral numa dinâmica de construção a três e com bola construía muito. Sinto-me bastante confortável aqui, como central, agora até mais pela esquerda. Eles privilegiam o jogo ofensivo e esse é um ponto forte que tenho por causa da boa saída de bola. Estou adaptado à equipa, aos companheiros e à liga. Tem corrido tudo bastante bem.
O 9-1 ao Heerenveen foi obra de sonho?
-Foi uma segunda parte que ficou 7-0. Foi perfeita, fizemos tudo o que temos vindo a trabalhar, seja na pressão ou com bola. A nossa pressão na segunda parte foi incrível, conseguimos recuperar três ou quatro bolas na frente e nos primeiros minutos materializámos tudo isso em golos. Com bola fomos ótimos, fomos entrando por dentro, por fora, fazendo um jogo bastante variado em que os jogadores tiveram liberdade para tomar decisões, dentro das instruções táticas e da organização estabelecida. Mas deu para aproveitar o que cada um tem de melhor. Foi incrível, um jogo que fica na história do clube por ter sido a maior goleada de sempre em casa na liga.
E já sem Pavlidis, que rendeu 33 golos na época passada...
-O Pavlidis era muito importante e quando se perde um jogador dessa qualidade é preciso tempo e espaço para que outros apareçam. Estamos a fazer muito bem esse trabalho e, tanto o Parrott como os outros avançados, estão a corresponder. O Parrott marca quatro ao Heerenveen, é sinal que começou da melhor forma. Tem qualidades diferentes do Pavlidis mas vai dar-nos muito! Também saiu o guarda-redes Ryan para a Roma, o Sugawara para o Southampton e o De Wit para o Bochum. Mas temos uma formação muito boa e o clube já encontrou rapidamente substitutos. Já vinham treinando connosco e ficam imediatamente prontos.
Isso também leva o Penetra a perceber que está numa boa montra?
-É um clube que valoriza muito bem o jogador, isso foi um dos motivos para vir. Sabia que ia ser mais valorizado, jogar provas europeias, um novo campeonato e lutar por objetivos diferentes. Foi um passo em frente, quero continuar assim, é desta forma que perspetivo a carreira. Estou num projeto muito aliciante e, sendo jovem, ainda espero atingir outros voos. No AZ estou mais perto.
“Protegem mais as equipas cá”
Desafiado a refletir sobre a perda de força de Portugal na UEFA, o central compreende a vantagem dos Países Baixos. “Eles aqui fazem um trabalho muito bom. A liga protege muito as equipas presentes na Europa, adia os seus jogos, dão-lhes mais tempo e prioridade. Ajudam-se muito e têm conseguido meter mais equipas na Europa. O AZ esteve numa meia-final da Liga Conferência, o Feyenoord na final. O campeonato é muito importante mas ninguém coloca a UEFA de lado. Em Portugal, a dada altura, toda a gente tem o foco quase a cem por cento na liga. Não é fácil pela logística, mas devia-se adiar mais jogos”, explana o antigo defensor do Famalicão.
"Famalicão deu-me a mão em altura difícil"
Saiu do Famalicão pouco depois de afirmar-se na equipa principal. O AZ foi o único pretendente?
-Estou bastante satisfeito pelo meu trajeto no Famalicão. Acho que foi exemplar, até para outros jovens que começam pela Liga Revelação. Podem aspirar a equipa principal e serem transferidos. Fiquei contente por ajudar um clube que me deu a mão numa altura difícil e guardo relação ótima com muita gente. Dos Países Baixos chegou-me este projeto e rapidamente aceitei, porque era muito interessante e um passo em frente, ao poder jogar na Europa num clube sólido a esse nível, constantemente presente nas provas externas. Decisão fácil, pois era o que procurava.
Ao jogar a Liga Revelação, um jogador sente que ainda vai a tempo de tudo?
-Sabia que podia ser rampa de lançamento para voos maiores. Tinha o pensamento de chegar à primeira equipa e estabilizar na liga. Quando isso aconteceu comecei a pensar noutros objetivos e a seleção sub-21 ajudou muito no salto. Por isso, não penso já na Seleção A. Sinto que faltam outras coisas e tenho de trabalhar muito para chegar às ‘big five’.
Vendo tantos jogadores do Famalicão espalhados, sentiu a força do projeto?
-Apanhei Ugarte, Banza, Luiz Júnior, Otávio, Moura, Iván Jaime... Ao deixar o Benfica fiquei impressionado pela qualidade individual e como jogavam coletivamente. Para estar no Famalicão há que ter qualidade alta. Tirando os quatro grandes, o Famalicão e o Vitória já são muito semelhantes.
No Benfica era goleador. Que transformações entre o que era e o que é hoje?
-Tinha bons números, fazia bastantes golos de canto, bolas paradas, penáltis. Havia o objetivo de chegar à equipa A, mas nunca tive pressão. Sempre achei que, não conseguindo, outros caminhos se podiam abrir. Um caminho alternativo foi o Famalicão e as coisas correram muito bem. Quem está na formação dos grandes deve estar ciente disso, porque há diferentes opções para se chegar a uma meta. Senti a minha jornada terminada no Benfica, o Famalicão apareceu com projeto aliciante, já tinha feito uma grande época com jovens. Agora estou mais maduro, melhorei as qualidades e sei disfarçar melhor os pontos fracos. Mas ainda retiro o que já era, um líder, alguém que gosta de comunicar, com boa saída de bola e muita concentração.
Bom é estar em Amesterdão
Chegar à Seleção é um objetivo realista para já?
-Sinceramente, não tenho pensado muito nisso, tenho pensado em evoluir aqui como jogador. Tenho inúmeros passos a dar, coisas a melhorar. Pode estar mais perto do que antes, mas não vivo obcecado com isso e se tiver de acontecer, acontecerá. O mais importante é ajudar o AZ, trabalhar em prol dos objetivos para que apareçam mais vitórias.
Esta caminhada europeia promete grandes jogos: Roma, Athletic, Tottenham e gigantes turcos...
-São experiências que ficam para a vida. No ano passado, na Liga Conferência, joguei em Villa Park, no campo do Légia com adeptos muito fervorosos, a tal eliminatória onde o Josué acabou por passar uma noite na prisão nos Países Baixos. Agora temos à espera grandes palcos e grandes ambientes. Os jogadores querem estes jogos. São ótimas montras, jogar na casa do Tottenham e do Athletic será muito bom. Queremos pensar jogo a jogo, e entrar a ganhar contra os suecos foi o mais importante. Ainda está toda a gente a adaptar-se a este formato.
O que torna as condições de trabalho e vida especiais?
-A grande vantagem foi que me arranjaram casa e carro imediatamente. A logística foi fantástica. Sem este conforto, o jogador não consegue rendimento imediato. Desbloquearam tudo com várias pessoas para diferentes problemas. Temos uma boa academia, quatro campos para treinar, um ou outro coberto pelo frio. E outra vantagem é que vivo em Amesterdão, uma cidade incrível onde não falta nada, porque a nossa academia é lá. Só vou para Alkmaar, com 30 minutos de viagem, em dias de jogos. Se formos a ver, em Portugal tiram os jogadores da zona de conforto. Eu, por exemplo, fui novo de Viseu para o Seixal. Aqui é diferente, porque o AZ percebeu que não teria força para atrair jogadores de Amesterdão e decidiu fazer lá a sua academia. Hoje ganham jovens ao Ajax, que preferem o AZ. A prova foi a conquista da Youth League contra o Sporting e nós temos no plantel dez ou onze jogadores dessa equipa.