ENTREVISTA - Pedro Gonçalves virou herói em Angola e ninguém quer imaginar a sua partida. O antigo técnico da formação do Sporting reflete em Portugal sobre o caminho a tomar, embora com vontade de continuar
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Após uma grande CAN, os Palancas levaram euforia a Angola, entre expectativas fervilhantes e horizontes regados de prosperidade. Pedro Gonçalves deixou o futuro em aberto, comunicando uma missão cumprida. É aposta para conduzir a equipa ao próximo Mundial, mas responde com período de reflexão.
Está perto de prolongar a ligação com Angola?
-Terminei contrato e o presidente apresentou-me proposta de renovação. A ideia passa por um novo ciclo até ao Mundial. Temos que acertar situações, mais com aquilo a que nos propomos. Há um rescaldo muito positivo, há um reconhecimento do trabalho feito, mas a responsabilidade aumentou exponencialmente. Já nos querem lançar a mais! É gratificante ver a bitola subir, mas temos de nos readequar. Temos potencial, mas há aspetos estruturais a mudar e o nível de ações tem de acompanhar os objetivos.
O que viveu na CAN, somado ao tempo de trabalho no país, mexe consigo nesta ponderação?
-São nove anos em Angola, seis com as seleções. Tenho aqui jogadores com quem comecei a trabalhar, tinham eles 12 e 13 anos. Zito, Kialonda, Zini, Capita. Antes de mim, nesta seleção só mesmo o Buatu, Fredy, Eddie Afonso, Dala e Mabululu. São muitas relações e momentos já vividos. Já me sinto angolano, mas tenho de pugnar pelas melhores condições para os projetos. Estou confiante de que vamos continuar este trabalho, mas é preciso conjugar discurso com ações. Há coisas a afinar.
Esta CAN foi o reacordar de uma potência africana?
-Angola teve o seu apogeu quando foi o Mundial de 2006 e prolongou uma estrutura importante até 2012. De lá para cá houve um corte no investimento, perdeu-se relação com as pessoas e os angolanos deixaram de sentir-se identificados com a seleção. Sentimos nesta campanha o carinho a voltar. A grande virtude do nosso percurso nesta CAN foi voltar a unir o povo angolano com os Palancas Negras. Essas manifestações de incentivo foram crescendo e ninguém ficou indiferente. Estou muito grato pela população ter entendido o nosso comportamento, o nosso esforço e resiliência no ultrapassar das dificuldades. Os resultados, bem sei, cativaram muito. O apoio chegou ainda de angolanos espalhados pelo mundo, de Portugal. Esta prova também teve um impacto mediático muito interessante por toda a Europa. O nosso desempenho encoraja um melhor futuro.
A derrota com a Nigéria foi algo ingrata também?
-Defrontámos uma Nigéria cheia de jogadores na elite mundial e com um grande trabalho do Peseiro, que encontrou um modelo de sucesso com três centrais. Tivemos situações que interferiram. Nós, apesar de termos vencido o nosso grupo, andámos de cidade em cidade e a experimentar clima seco, intermédio e húmido, enquanto a Nigéria ficou sempre em Abidjan. Foi um cenário mais penalizante, juntaram-se lesões e jogadores que passaram a semana em recuperação como Dala e Fredy. Mesmo assim, fomos competitivos e demos boa imagem, com as chances a esbarrarem nos ferros. A estrelinha não nos acompanhou.
Lida com outros convites?
-Suportei críticas infundadas e injustas perante a realidade, sem perder o foco e o espírito de missão. É natural que haja um reconhecimento em África, porque há todo um percurso que ficou marcado pela presença no Campeonato do Mundo de sub-17. Sei que tenho sido associado a outras seleções, mas estou satisfeito em Angola. Tenho de ser exigente com o passo seguinte. Não tinha qualquer afinidade com África, mas ajudou-me a adquirir uma perspetiva humana maior. É estar no mesmo planeta, mas num mundo diferente. Adoro, mas também adoro o meu país. Não fecho portas a nada.
Houve apenas um objetivo que não foi atingido: o da imortalidade
Pedro Gonçalves é taxativo sobre o sucesso obtido na Costa do Marfim. “Em função do ponto de partida fomos muito além. Já em função da leitura do nosso potencial, correspondeu às expectativas. No início do estágio o lema era fazer o que nunca foi feito. Primeiro era ganhar o primeiro jogo, depois somar duas vitórias. Ganhando dois jogos chegaríamos à fase a eliminar, importante para o nosso crescimento. Como Angola nunca ganhara qualquer jogo a eliminar, chegar aos quartos já era fazer história. Sobrava só alcançar a imortalidade, ganhando a competição. Ficámos pelos quartos, mas foram superadas várias metas. Da partida à chegada evoluímos imenso. Éramos a terceira seleção menos cotada das 24. Atrás só estavam Gâmbia e Tanzânia.”