ENTREVISTA, PARTE I >> Paulo Sousa admite que o convite do Shabab Al Ahli, dos Emirados Árabes Unidos, casou na perfeição com a ambição de se recolocar na órbita dos troféus
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Longe dos holofotes portugueses, partiu para o Reino Unido como técnico, conquistou títulos na Suíça, Israel e Hungria, deixou obra de autor em Florença. Paulo Sousa ressurgiu com fome de conquistas e prazer do jogo nos Emirados. Carreira bem relançada.
Paulo Sousa esmagou concorrência e celebrou quatro títulos numa época, entre campeonato, taças e Supertaça. Trabalho de excelência que não o desvia do foco de valorizar jogadores.
Uma época em cheio, de quatro títulos! O que transmite esta temporada ao Paulo Sousa dentro do meio envolvente, do desafio que tinha em mãos?
— A tomada de decisão foi pautada pela ambição de sempre, de ganhar títulos. Foi o clube que se apresentou, nesse momento, para isso acontecer. Para além dos quatro títulos, foram batidos vários recordes, do clube e do país. Isso deixa-nos orgulhosos e felizes, dá uma sensação de realização. É uma validação da nossa preparação para diferentes realidades, cumprindo determinados objetivos. Aqui existiu a novidade de uma nova forma de jogar, colocar a equipa num sistema que nunca tinha feito, em 4-4-2, e com nuances não lineares na estrutura. Isso também se traduz num crescimento profissional.
Essa novidade é uma forma de lidar com o contexto, é uma preocupação que coloca sempre?
— Em todos os contextos tento enquadrar-me com a cultura do clube e do adepto. Esta é uma área completamente diferente dos meus projetos anteriores. Não são os sistemas os donos da maior das importâncias, há que entender o potencial humano e profissional, juntá-lo ao que são bases fundamentais de como ver a minha equipa jogar. Procuro criar enquadramento, identidade comum e ver como o potencial individual nos ajuda a atingir os objetivos. Defendo um futebol de ataque, atrativo, ambicioso, onde se gerem muitas oportunidades de golo por todos os corredores. Quero uma equipa dominadora em todos os momentos, com coragem em qualquer circunstância, em casa ou fora, contra qualquer rival. Essa é uma identidade comum, depois há a estratégia de cada jogo para sairmos vencedores.
O que o desafiou mais a aceitar os Emirados Árabes Unidos?
— As decisões dependem do que a vida me apresenta. Analisando oportunidades, se posso trazer mais do que foi feito anteriormente, vendo o momento do clube, olhando às pessoas à volta. E, depois, perceber o grau da vontade associado, a noção do meu perfil e do que posso fazer. Foi assim que convergimos, procurava há algum tempo projetos semelhantes ao que foi a minha carreira de jogador e início como treinador, a possibilidade de vencer títulos.
Há aqui uma visibilidade que o pode catapultar novamente para os principais campeonatos?
— O reconhecimento de outros não é algo que me alimente. O meu impulso primário como treinador é entender o jogador, ajudá-lo a desenvolver o seu potencial e ajudá-lo no seu crescimento humano. Ganho eu como eles. Essa é a minha escola de vida, não ignorar a nossa essência. Mesmo colocado à prova por emoções diárias. O reconhecimento do jogador pelo meu trabalho será sempre o que mais me agrada. Sou reconhecido ao que o futebol me deu e tento devolver com paixão e conhecimento a todos os protagonistas.
Os quatro títulos somam-se ao prazer do futebol jogado esta época?
— Há essa felicidade e emoção pelas metas atingidas. São evidências. Depois há isso dos jogadores jogarem o que queremos, superando os desafios de culturas locais, diferentes formas de comunicação e interação. E quando assim é, há uma satisfação plena.
Como descreve o enquadramento no seu todo no clube e no Dubai?
— É um clube recente que veio da fragmentação de três, pelo que não tínhamos à partida muitos adeptos. Com vitória a vitória, com os golos, um jogo atrativo, fomos chamando mais gente. Dentro da cidade tive a minha aprendizagem, conhecendo o povo e apreciando os seus líderes. São visionários na forma como satisfazem as pessoas de uma qualidade de vida extraordinária, ajudam nos custos da educação, na planificação familiar. Há presença e entreajuda. É certo que se ajoelham e beijam os líderes, mas porque acham que eles merecem. No Dubai percebo que eles querem os melhores em todas as áreas e o crescimento tem sido acelerado nessa linha. É uma visão própria de estar no mundo com busca primária das melhores condições de vida para todos.
Vemos um treinador que já bateu uma dezena de países. Aprecia essa diversidade?
— Parte da essência de ser português é descobrir, conquistar, estudar os outros de forma a poder ajudá-los no crescimento. Isso tem-me ajudado a crescer, pessoal e profissionalmente. Mas nunca fui de experiência em experiência com esse propósito.
Como gosta de explicar a matriz de uma equipa à Paulo Sousa?
— A base para poder simplificar a ideia do jogo é ser protagonista do jogo em si com futebol atrativo, dominante, com bola, que haja capacidade de mudanças de velocidade, criação do maior número de oportunidades e poder ser mais eficaz que os rivais. A cultura de vitória leva-te a um crescimento constante. O nosso trabalho vê-se na plenitude na organização ofensiva, no entendimento do tempo e espaço, ligação à bola e colegas, tudo assente uma identidade comum. Sem bola também podemos ser protagonistas, pela pressão constante para a recuperar e para dominar o jogo com ela. Temos de ser conscientes da importância das bolas paradas. Este foi um dos melhores anos. Uma equipa maioritariamente no meio-campo contrário, terá muito mais bolas paradas. É essencial aumentar essa cultura e esse trabalho.