"Passagem de Jesus mudou o futebol brasileiro...foi incrível e transformadora"
Baterista dos Boogarins, aclamada banda brasileira, que toca esta sexta, em Braga, e sábado, em São João Madeira, embelezando o cartaz do festival Party Sleep Repeat, falou ao JOGO sobre o processo criativo em Bacuri, novo álbum, e sobre as paixões, o Flamengo, e desencantos futebolísticos, o futebol moderno.
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Depois da festa da Sanjoanense feita com a permanência na Liga 3, fruto da vitória sobre o Trofense na última jornada, fugindo de um destino fatal com cinco triunfos consecutivos, este fim-semana é o hóquei em patins que espera uma comemoração na cidade, caso uma vitória em casa sobre a Juventude Viana renda passaporte para a disputa da fase final do Campeonato a oito. A equipa de Reinaldo Ventura, vencendo o seu jogo, pode beneficiar de potenciais desaire de Tomar e Valongo, que enfrentam Oliveirense e Benfica.
Mas os ingredientes em São João da Madeira vão além do futebol, já que este sábado, o pequeno concelho do distrito de Aveiro também acolherá, o festival Party Sleep Repeat, uma organização já com anos de implementação na cidade e grande fomentação de público, fruto de cartazes ecléticos e um valioso cariz solidário, pois as receitas revertem, em grande parte, para a Liga Portuguesa contra o Cancro, sendo o evento uma homenagem de amigos a um musicómano da terra, Luís Lima, que muito jovem sucumbiu na luta contra um cancro.
A antiga fábrica Oliva, monstro de emprego em São João Madeira, transformou-se no maior polo cultural da cidade e acolhe o PSR, oferecendo condições de excelência a várias bandas que vão preencher o dia em três palcos. Destaque óbvio, após os concertos de promissoras bandas nacionais como Vaiapraia, Travo, Memória de Peixe e Ganso, para os brasileiros Boogarins, aclamados desde 2013 quando se deram a conhecer ao mundo, saídos da Goiânia, com o doce álbum 'As Plantas que Curam'. Com um extraordinário e sublime diálogo entre a tropicalia e o psicadelismo, os Boogarins fizeram-se grupo de efervescentes paixões no Brasil com extensão de culto em Portugal, oferecendo concertos divinos, tantas vezes encaixados em lugares idílicos, como o foram em Paredes de Coura e no festival açoriano Tremor. Encadeando sempre o seu rasgo luminoso na atmosfera.
Em Boogarins também se descobre uma forte atração com o futebol através do baterista Ynaiã Benthroldo, confesso flamenguista que participou em 2022 sobre um livro que historia a conexão do Flamengo com a Democracia. para o mesmo foram recolhidos depoimentos de figuras icónicas do meio desportivo e cultural, destacando-se a participação do antigo médio Afonsinho, afamado pela luta do passe-livre, mas também de Elza Soares, Jards Macalé, Luyaro Franco, filha de Marielle, a deputada assassinada. Neste distinto grupo, também estava o baterista dos Boogarins. E com Ynaiã Benthroldo, falou o JOGO, passando a sua cortesia em pleno trânsito para Portugal para concertos em Lisboa (Music Box), Braga (gnration), culminando sábado, em São João da Madeira. A banda apresenta o seu sétimo álbum de originais, Bacuri, e é a voz de Ynaiã Benthroldo que pontifica na música homónima de abertura do álbum, numa estreia do baterista nas funções.
Falar de Boogarins em Portugal, que junção de sabores e memórias alimentam a banda quando apresentam o vosso trabalho aqui?
- Sempre muito emocionante, já fazem 11 anos que Boogarins tocam em Portugal. Para onde olho só tenho boas memórias de histórias incríveis que vivemos cá. Chegar e ter o primeiro concerto esgotado, demonstra como somos queridos pelo público português.
Com Bacuri que ideias sonoras são mais dominantes, que inspirações ambientais e atmosferas sociais se podem conhecer apanhando o disco de fio a pavio? E perceber se o vosso caminho é hoje mais tropical ou psicadélico, ou se continuam a preferir viajar entre os dois mundos?
- A ideia de retorno a um espaço criativo estável marca a produção do disco. Voltamos a gravar em casa, no Brasil, no quarto, e metendo a mão nas músicas e sonoridades como antes. Os últimos discos foram gravados no âmbito de tournées nos Estados Unidos e sem muito processo de pré-produção das músicas. Chegávamos com os temas e criávamos tudo junto em estúdio e captávamos a nossa primeira impressão da canção. Já neste tivemos tempo de sobra (o disco foi gravado durante o processo pandémico e pós-pandémico) para trocarmos ideias. Conseguimos gravar essas ideias e finalizamos tudo antes de registá-las. O disco junta canções feitas pelos quatro integrantes da banda, é um disco mais coletivo e a Alejandra Luciane produziu o trabalho connosco. Ela toca com Raphael em Carabobina. Os equipamentos foram todos montados no estúdio dela.
Vocês em Portugal já passaram por cenários deslumbrantes como Paredes de Coura, Tremor, Milhões de Festa, lembro-me de uma sala mais pequena no Porto, Maus Hábitos. Que compêndio de imagens resulta dessas incursões, o que mais magnetizou os Boogarins e que tipo de reações e interações procuram nesta fase?
- É verdade que há toda uma panóplia de cenários aqui em Portugal e foi sempre especial, cada um à sua maneira. O público sempre canta e isso promove uma festa linda. Estamos, agora, na digressão do disco novo, Bacuri, lançado pela Lusofonia, em Portugal. Podem procurar o vinyl. Para estes concertos contem com o disco novo e um apanhado dos dez anos da banda. Esperamos fazer uma grande festa em todos os lugares.
Falando de São Joao Madeira, do Party Sleep Repeat, para o público que acudirá ao evento, vão estar numa pequena cidade a 30 quilómetros do Porto...O que vos atraiu nesta data, no conceito do festival? E se estão preparados para levar chapéus e calçado ou agarrar algum adereço para o concerto, já que é marca forte da cidade?
- Primeiro digo que é um privilégio poder participar numa iniciativa tão linda e importante como essa. Esperamos fazer uma grande homenagem ao Luís Lima e contribuir para a causa com a nossa música e energia positiva. E que o pessoal do Porto apareça em força no PSR. Já agora, também adoramos receber presentes, se nos quiserem presentear com produtos locais, seremos gratos! E prometemos usar.
Como apalpam a vossa evolução dentro da música brasileira, saídos de Goiânia. Essa origem valorizou ainda mais a caminhada, sabendo que tanta produção acaba por fervilhar e ser dependente da rede de influências de Rio e São Paulo?
- Os Boogarins sempre foram fora do eixo Rio-SP. Desde o início, a banda não dependeu de apadrinhamentos para as coisas acontecerem. Fomos tentando conectar com parceiros em todos os lugares possíveis do mundo e fomos afortunados pela nossa música ter atingido tanta gente no mundo. Ser uma banda de Goiânia e termos feito tanto como conseguimos fazer, é apenas e só incrível! E o melhor disso é continuar a tocar pelo mundo fora e, depois de dez anos fazendo isto, sempre aparece gente nova nos nossos espetáculos a consumir com paixão a nossa música.
Falando de posicionamento futebolísticos dentro de Boogarins, o que se pode saber? Sei que o Flamengo domina o teu coração e até gerou um depoimento para um livro mais social sobre o clube, onde também alinham outras figuras, até como Elza Soares. Que mensagem existiu aí e que ligação aos feitos e craques do Mengão?
- O Benke torce pelo Vila Nova e eu sempre ia com ele e o seu pai aos jogos quando morava em Goiânia. Acabei por criar um afeto com a equipa e os adeptos, que nunca desistem do Vila. Mas sou flamenguista e adoro futebol. Mas, cada vez mais, sinto que o futebol tem virado outra coisa, mais elitista. Vemos que os clubes e os empresários só visam lucros e que os jogadores têm muito menor identificação com o clube. Os adeptos exibem um crescente comportamento de consumidor e menos de adepto. Os estádios todos foram perdendo a sua essência e sendo transformados em arenas sem identidade. São tempos difíceis com o futebol moderno. O Flamengo, de antigamente, era empurrado com uma base de jogadores da casa e uma 'torcida' popular, que lotava o Maracanã, por todas as bancadas. Era algo incrível.
Do Flamengo de Jesus, Paulo Sousa e Vítor Pereira, falando de tanto treinador português no Brasil. Lançando esses nomes, qual é a marca do treinador português no Brasil, sobretudo, a partir de Jesus?
- A passagem de Jorge Jesus mudou o futebol brasileiro. Não sei se foi sorte aliado ao momento de cada um, tanto ele quanto os jogadores do Flamengo. Mas foi tudo incrível e transformador. Depois dele, ficaria difícil para qualquer um. Paulo e Vítor até podem ser bons técnicos mas não tiveram tempo e não lhes foi dado tempo para um trabalho estável. Futebol brasileiro é imediatista, não respeita os processos. Quem não ganha no Flamengo, dificilmente consegue trabalhar.
- Olha, se a nossa música fosse um personagem do futebol brasileiro, creio que seria o Túlio Maravilha! Saiu do Goiás e conquistou o mundo! Jogando em equipas grandes e pequenas, ele sempre foi uma personalidade irreverente no meio do futebol, que é algo que move o mundo de maneira espantosa. No campo tudo pode acontecer, nem sempre o favorito ganha. O herói pode virar vilão e o vilão virar herói. Mobiliza muita gente. Sinto que os jogadores, hoje em dia, ficam alheios a muitas questões de interesse público e nem falo de posicionamento político, apenas de questões básicas. Moram em bolhas cheias de privilégios. Não acredito que o Brasil possa ser campeão mundial tão cedo novamente.