Um artigo de Acácio Santos, treinador de futebol
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Não foi, seguramente, o resultado que José Mourinho pretendia, mas o empate mantém ainda tudo em aberto para as 12 jornadas e 36 pontos que estão ainda em disputa na liga da Turquia. O 0-0 final do Fenerbahçe com o Galatasaray mantém a diferença em seis pontos (64 Pontos contra 58). Mas há muito campeonato pela frente. E fica o sinal de força da equipa de José Mourinho, que está ainda nos oitavos de final da Liga Europa, com forte possibilidade de seguir na prova na eliminatória com o atribulado Rangers escocês. É outro objetivo, logo aí mais dois jogos, no mínimo, do que o campeão turco em título, mas os mais fortes e ambiciosos também podem ser os que mantêm os mais exigentes objetivos. E Mourinho está nas duas frentes!
Esta segunda-feira o escaldante embate turco mostrou a abordagem muito cautelosa do Galatasaray, preocupado sobretudo em limitar, e muito, o jogo estratégico do Fenerbahçe. O 1x3x5x2 de Mourinho enfrentou o 1x4x2x3x1 de Okan Buruk.
Gosto muito deste sistema de Mourinho. A defender, o corredor central está sempre bem preenchido e bem posicionado; os laterais surgem próximos da linha dos três centrais; uma eficiente basculação dos três homens do meio-campo, principalmente Szymanski pela centro esquerda e Fred no centro direita; e três centrais fortes e com bom sentido posicional, Akcicek (esquerda), Skriniar (centro) e Soyuncu (direita).
Resultou. Oshimen, atacante fortíssimo com quem trabalhei e passei muito tempo em trabalho de desenvolvimento na seleção da Nigéria, não conseguiu ter no jogo o protagonismo habitual. Procurou muito o seu momento, mas a serenidade, agressividade e bom sentido tático dos três homens da linha central defensiva do Fenerbahçe não lhe permitiu influência significativa. Neste particular, alcançar uma boa coordenação e sentido posicional do eixo defensivo é resultado do trabalho diário, fundamental. Nota-se aí a influência do treinador e da sua equipa técnica.
Defendo muito o trabalho específico por setores, isolado e perante uma variedade grande de problemas que lhe apresentamos. Aí, o exercício e a sua criação é - e deve ser sempre - a maior preocupação do treinador. Nesse particular, José Mourinho é mestre. Tive a oportunidade de o ver trabalhar em Manchester, e a forma simples como decompõe a complexidade, sem a desvirtuar, é marcante. Lembro-me de pensar como o consegue de forma tão eficiente! Levei esse ensinamento para o meu trabalho diário, essa perspetiva filosófica e metodológica, que passou a ser ainda mais marcante na minha forma de abordar o treinar. É o tornar simples a complexidade do processo de treino, sem menosprezar essa complexidade.
Mourinho, que partiu para este desafio turco com um desafio enorme, está a assinar um trabalho enorme, de autor, notando-se todo o seu impacto no futebol da sua equipa. O empate pode servir ao Galatasaray, mas quem dá sinal de valor e de crescimento é o Fenerbahçe.
Vejamos um resumo estatístico do embate:
Cantos: Galatasaray 0 / Fenerbahçe 4
Remates: Galatasaray 4 / Fenerbahçe 10
Remates não enquadrados: Galatasaray 3/Fenerbahçe 5
Remates enquadrados: Galatasaray 1/Fenerbahçe 3
Remates bloqueados: Galatasaray 0/Fenerbahçe 2
Está visto de que lado ficou a supremacia evidente. Foi o Gala que empatou Mourinho. Um treinador que não desarma do objetivo a que se propôs. O simples facto de colocar o campeão em sentido, enquanto joga a Liga Europa, é uma obra que está a passar despercebida. Sim, tenho-lhe grande carinho, mas sou ainda mais um admirador da qualidade do seu trabalho, e da inspiradora capacidade de adaptação aos contextos que enfrenta. E sim, as crónicas do ocaso do Special One são manifestamente exageradas.