Cada português "contribuiu" com um euro e meio para a preparação olímpica, bem menos do que na maioria dos países com muitas medalhas. Não espanta que a conta por pódios fosse a inversa...
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A medalha de Luís Gonçalves nos Jogos Paralímpicos pode ter sido o primeiro passo para o debate que sempre anima o país quando os Jogos Olímpicos não rendem as medalhas previstas: quem merece mais? Os paralímpicos, que prepararam o Rio"16 com 3,8 milhões, ou os olímpicos, que tiveram 15,7 milhões para o mesmo efeito? A discussão é sempre estéril. Além de problemas de fundo, como a falta de envolvimento e cultura desportiva do país, as deficiências da Educação Física nas escolas e outros identificados num estudo encomendado há quatro anos à Pricewaterhouse Coopers pelo Instituto Português de Juventude e do Desporto - e que nada mudou -, a realidade é que Portugal investe pouco na preparação dos seus olímpicos e lhes exige muito. Aliás, a comparação com países bem-sucedidos revela que o próprio Comité Olímpico Português (COP) terá previsto demasiado em função dos gastos.
Nem sempre o dinheiro vale medalhas olímpicas - o milagre das seis medalhas gregas no Rio prova-o -, mas os casos mais significativos demonstram o contrário. O melhor exemplo é o britânico: de cinco milhões de libras em 1996 chegou aos 350 milhões (414 milhões de euros) deste ano e o número de medalhas acompanhou o investimento.
A Grã-Bretanha foi segunda no medalheiro, atrás de uns Estados Unidos que possuem um modelo difícil de analisar - quase não pagam aos atletas, que devido à quantidade e qualidade só se apuram nos anos de Jogos, mas oferecem seguros de saúde e condições de treino ímpares -, e a sua subida, acima do êxito que fora Londres"12, obedeceu a passos precisos. A maior fatia do investimento chega da lotaria, o dinheiro é direcionado para as modalidades mais bem-sucedidas e permite evoluir detalhes como um tamanho maior de camas para atletas - valeram mais 24 minutos de sono por noite! - ou selins menos abrasivos nas bicicletas. Luxos apenas possíveis para quem gastou mais nas equipas de ginástica (17,3 milhões de euros) ou de natação (17,7 milhões) do que toda a missão portuguesa!
"Costumo dizer, meio a brincar meio a sério, que o desporto espanhol tem o preço de uma contratação de verão no futebol. O que damos às federações é sempre inferior a um James [Rodríguez] ou um Luis Suárez", comenta Miguel Cardenal, presidente do Conselho Superior de Desportos (CSD). Espanha, mesmo reduzindo verbas, investiu 177 milhões na preparação, recebendo também parte delas da lotaria. Portugal, seguindo a mesma comparação com o futebol, e dividindo os 15,7 milhões pelos quatro anos, fica longe do valor dos reforços dos seus clubes de topo.
Há mais exemplos, como o australiano - gastaram quase 20 vezes mais, à proporção de mais de 12 euros por habitante, ficaram muito aquém das medalhas pretendidas, mas uma sondagem pós-Rio"16 revela uma população satisfeita com o investimento olímpico -, que permitem concluir terem os portugueses expectativas demasiado altas face a um orçamento muito baixo. E o próprio COP terá ido longe demais nas expectativas ao pretender duas medalhas e 80% dos seus atletas em meias-finais, quando o seu subsídio máximo é de 1375 euros mensais (valor pago a medalhados internacionais como Telma Monteiro, Fernando Pimenta, Nelson Évora ou Rui Bragança) e mais de metade do orçamento se escoa em viagens, alojamentos e estágios. Sendo um país poupado no olimpismo, Portugal coloca o resultado final nas mãos de um destino que no Rio"16 foi madrasto: não fosse a folha de castanhola a travar o caiaque de um Fernando Pimenta já isolado na final e a sua medalha, somada à de Telma Monteiro, teria transformado os Jogos... num êxito.