Oligarcas russos no Desporto: império a troco de 1286 M€, com Abramovich à cabeça
Guerra com a Ucrânia reabriu o debate sobre a relevância dos magnatas na manutenção e perpetuação de Vladimir Putin no poder. Um grupo deles apostou milhões no mundo do Desporto em busca de prestígio e contactos internacionais que lhes permitissem minimizar suspeitas sobre a proveniência e circulação do dinheiro.
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Impelido pela visão da Grande Rússia, Vladimir Putin não hesitou em ordenar a invasão ilegal e não provocada da Ucrânia, um país soberano que considera uma "invenção" de Lenine sem o direito a existir, sob o pretexto de uma alegada "desnazificação" do Governo liderado por Volodomyr Zelensky. Os olhos do mundo têm estado centrados na resistência ucraniana ao invasor e, por entre imagens chocantes do sangrento conflito, foi reavivado o debate sobre a importância da fortuna dos magnatas russos para a manutenção e perpetuação de Putin no poder.
Durante o caótico processo da dissolução da União Soviética, um grupo de empresários e administradores locais aproveitou as privatizações de empresas estatais para acumular milhares de milhões de euros e transformar o país numa oligarquia. Alguns deles optaram por investir as suas fortunas no desporto para ganharem prestígio e influência que minimizassem as suspeitas sobre a proveniência dos milhões e a circulação do mesmo.
Assim, surgiu um novo Império russo avaliado em 1286 M€ que se estendeu por relvados, pavilhões e estradas do mundo inteiro. À cabeça do grupo de oligarcas está Roman Abramovich.
Nascido em 1966, o descendente de judeus sefarditas, estatuto que lhe valeu o passaporte português ao abrigo da Lei da Nacionalidade, num processo que está sob investigação da Procuradoria-Geral da República, adquiriu o Chelsea em 2003 por 170 M€ e gastou o mesmo montante em reforços na sua primeira incursão ao mercado, mudando, para sempre, a face do futebol, ao abrir a porta à entrada de outros magnatas no desporto-rei.
Na passada quarta-feira, depois de 20 títulos conquistados e de 2340 M€ gastos em reforços durante o seu reinado, Abramovich anunciou ter colocado os blues à venda no mesmo dia em que o Governo britânico prometeu apertar as sanções aos oligarcas com ligações estreitas a Vladimir Putin.
Investidores de montantes mais discretos no Bournemouth e no Vitesse, Maxim Denim e Valeriy Oyf não têm o peso dos compatriotas no mapa da riqueza e fazem questão de manter a sua vida pessoal no maior secretismo possível. Em sentido contrário surge Ivan Savvidis. Aliado de Vladimir Putin desde os tempos de deputado na Duma, o Parlamento russo, o dono do PAOK saltou para a ribalta em 2018, quando entrou no relvado armado com uma pistola para protestar um golo anulado à turma de Salónica, nos descontos do nulo frente ao AEK. O incidente valeu-lhe a proibição por parte da federação grega de frequentar estádios durante três anos.
Considerado o homem mais rico a residir no Reino Unido em 2013, Alisher Usmanov entrou no mundo do futebol ao gastar 246 M€ em ações do Arsenal e patrocínios pagos ao Everton. Nascido no Uzbequistão no tempo da União Soviética, o empresário ligado ao setor mineiro e da tecnologia é dono da maior fortuna entre os oligarcas russos ligados ao desporto (16 000 M€ que o colocam no 99.º lugar no ranking de milionários da Forbes de 2021) e no início do mês anunciou a suspensão do mandato como presidente da Federação de Esgrima, modalidade que praticou com relativo sucesso, que ocupa desde 2008 (e à qual se estima tenha doado cerca de 77 milhões de euros).
Usmanov é um dos magnatas sujeitos a sanções pela comunidade internacional devido à estreia relação com Vladimir Putin e Dmitri Medvedev, que têm liderado a Rússia "à vez" desde 1999. Na passada quinta-feira, o Departamento do Tesouro norte-americano confirmou a possibilidade de apreender o mega-iate e o jato particular do empresário que estarão na Alemanha e no Uzbequistão, respetivamente.
Na lista também surgem dois homens que transformaram o panorama de Mónaco e dos Brooklyn Nets. No principado, Dmitry Rybolovlev pegou num emblema à beira de descer ao terceiro escalão e apetrechou-a até à conquista do título francês de 2016/2017, com Leonardo Jardim ao leme de uma equipa onde pontificavam João Moutinho, Bernardo Silva e Falcao.
A troco de 824 M€, 641 M€ deles gastos num empréstimo para a construção do Barclays Center e outros 183 M€ na aquisição do franchising, Mikhail Prokhorov ajudou os Brooklyn Nets a saltarem para o lote de grandes equipas da NBA antes de, em 2019, vender a equipa a Joseph Tsai por 1000 M€. Refira-se que o investimento, que ajudou a trazer craques de primeira linha como Kevin Durant, Kyrie Irving e James Harden, não resultou em títulos.
ROMAN ABRAMOVICH
Dono do Chelsea entre 2003 e 2022
Investimento inicial no clube: 340 milhões de euros
Posição no ranking de milionários da Forbes em 2021: 142º
Fortuna pessoal estimada: 13 mil milhões de euros
Padrinho de Putin
Fez fortuna no setor petrolífero e, em 2000, foi eleito pela região de Chukotka para a Duma. Antes mesmo de enveredar pela carreira política, o empresário já era um conselheiro próximo de Boris Yeltsin, a quem "soprou" o nome de Vladimir Putin como sucessor na presidência. O seu reinado no Chelsea marcou uma era no futebol.
Sanções fazem mossa nos cofres
O cerco imposto à economia russa desde a invasão à Ucrânia tem feito enorme mossa na banca e começam a acumular-se perdas astronómicas no setor.
Neste lote insere-se Oleg Tinkov, nome incontornável do ciclismo no início deste século. Dono do banco que batizou com o seu apelido, o russo, de 54 anos, entrou na modalidade em 2006 com uma equipa de pista e, em 2013, adquiriu por cerca de 6 M€ a formação de estrada detida pelo antigo ciclista dinamarquês Bjarne Riis, que já patrocinava. Em três anos de atividade, a Tinkov contou com estrelas como Alberto Contador, Peter Sagan, Rafal Majka ou os portugueses Sérgio Paulinho e Bruno Pires e venceu uma Vuelta (2014) e um Giro (2015), ambos por "El Pistolero".
Afastado do palco mediático desde o fim do seu projeto no ciclismo, Tinkov voltou a ser notícia por posicionar-se publicamente contra a guerra instigada pelo regime de Vladimir Putin que, segundo a Imprensa internacional, foi responsável por prejuízos na ordem dos 3600 M€ do Banco Tinkov.
Patrocinador principal da equipa de Fórmula 1 Haas até sábado, dia em que o contrato foi quebrado, e responsável pela presença do filho Nikita num dos monolugares, que, entretanto viu o seu contrato rescindido na sequência da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, Dmitry Mazepin arrisca ser severamente atingido pelo projeto da Duma de proibir a exportação de fertilizantes, base da Uralchem. Mesmo sem a confirmação da retaliação russa às sanções do Ocidente, o magnata foi obrigado a abandonar a sua ambição de levar à glória a equipa mais fraca do pelotão.
Além dos empresários, os clubes russos também começam a sentir o rombo na economia local. Acionista maioritário do CSKA de Moscovo, com 77% de participação, o banco estatal VEB registou enormes prejuízos nos dias que se seguiram à invasão e pode fechar a torneira ao clube desde sempre conotado com o exército.
Por outro lado, a Lukoil, gigante da indústria petrolífera e principal patrocinadora do Spartak, já apelou ao fim do conflito pela voz do presidente Vagit Aleksperov, que anunciou prejuízos na ordem dos 5600 M€. Riscada da lista de patrocinadores da UEFA, a Gazprom deve manter um forte apoio ao futebol, basquetebol e voleibol do Zenit face à dependência energética da Europa ao nível do gás natural.