ENTREVISTA, PARTE II >> Em entrevista a O JOGO, Armando Evangelista sublinha que há menos paciência dos dirigentes em relação ao trabalho desportivo e pede “estabilidade”, dando o exemplo da passagem pelo Sporting do atual técnico do Manchester United
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Esta temporada tem havido mais chicotadas do que o normal. Sente que há menos paciência?
-Sem dúvida. Cada vez mais, quem gere, está com expectativas, por vezes, irreais para aquela realidade. Vou falar do meu caso. Temos o melhor arranque da época de sempre e parece que o Famalicão tem de ser campeão nacional. Não podemos ser reféns do bom trabalho que fazemos em várias etapas. Tem de haver a noção clara de cada realidade. E os passos que têm de se dar. Por vezes, os treinadores são reféns das expectativas que se criam, por vezes, desmesuradas. Faz-me alguma confusão. Porque eu, quando procuro traçar objetivos, quer sejam individuais ou coletivos, quero que sejam ambiciosos, mas, dentro desses objetivos ambiciosos, procuro que eles sejam reais e factuais, que sejam palpáveis, percebendo que sou capaz de chegar lá. Não posso traçar objetivos e exigi-los aos meus jogadores quando sei que nunca lá vão chegar. Isso leva-nos à frustração, ao despedimento, à desconfiança.
Quando esteve no comando do Arouca conseguiu levar o clube à Europa. Qual foi o segredo?
-A continuidade. Acreditar em algo que se estava a construir. Se se perguntar aos treinadores o que querem para a carreira, 90 por cento vão dizer que querem estabilidade, porque ela não existe. Não há forma de se trabalhar sem estabilidade. No Arouca encontramos isso. E houve frutos. Não há muitos exemplos de estabilidade. Falando no percurso mais recente do Sporting, o Rúben Amorim fez um trabalho fantástico. Teve épocas em que ficou em quarto lugar, só que ninguém deixou de acreditar no seu trabalho. Foi campeão, foi quarto, foi campeão outra vez, mas ninguém deixou de acreditar. Não ganhou sempre, mas ganhou muitas vezes. Quando não ganhou, não se fez daquilo o caos ou uma desgraça. Continuou-se a apoiar. Ele sempre teve serenidade, estabilidade para trabalhar, nunca teve a corda ao pescoço. Mérito dele, como é óbvio, que teve de conquistar essa confiança. Não é porque a bola bateu no poste que já não se acredita, nem acreditar porque ela entrou. Tem de ser muito mais do que isso.
Quando chegou ao Famalicão deve ter encontrado uma grande falta de confiança. Como é que se lida com um balneário assim?
-Tem de haver muitas conversas, tanto coletivas como individuais. E conhecer os jogadores pessoalmente, sabendo se são casados, se têm filhos, se estão em processo de divórcio ou não, se estão ou não chateados com a namorada. São humanos e grande parte deles são miúdos cheios de dúvidas e, por vezes, com egos exagerados. Ouvimos muitos treinadores dizerem que tratam os jogadores de forma igual. Eu não, trato de forma diferente, porque cada um tem uma personalidade própria.