"Não posso esconder algum desencanto. Não me senti valorizado em Portugal"
O inesquecível título da Youth League ao serviço do FC Porto, o trajeto europeu no Rio Ave, os êxitos no Santa Clara e o esquecimento. Mário Silva em entrevista exclusiva a O JOGO
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Vitinha, Fábio Vieira, Fábio Silva, Diogo Costa, Diogo Dalot, Diogo Leite, João Mário, Gonçalo Borges foram campeões nacionais de sub-19 e venceram a Youth League pelo FC Porto pela mão de Mário Silva, que potenciou outros jogadores em Portugal, nomeadamente Lincoln e Morita, que renderam milhões ao Santa Clara. O telefone não voltou a tocar com um projeto aliciante em Portugal, pelo que decidiu emigrar.
Que motivos o levaram a sair de Portugal?
—Queira treinar no estrangeiro, era um objetivo pessoal. Escolhi a Arábia por ser um país que está na moda no futebol e quis ter uma época completa num contexto diferente, numa cultura muito distinta da nossa. Foi uma aposta arriscada, que me fez sair da zona de conforto a todos os níveis, mas claramente ganhámos não só pelos resultados alcançados mas também pela experiencia única.
Depois dos trabalhos em Portugal, esperava ter oportunidades em equipas com objetivos maiores?
— Não posso esconder algum desencanto, por vários motivos. Muitos esquecem a forma como peguei no Rio Ave e a campanha na Liga Europa, que condicionou toda a época. Entretanto fui para o Santa Clara, assumi a equipa em 14.º lugar e acabámos em 7.º. Na época seguinte houve mudanças a todos os níveis, internas e no plantel, perdemos os jogadores fundamentais e saí seis meses depois. A partir daí, não obstante dois trabalhos bem conseguidos e em contextos muito difíceis, não me senti valorizado em Portugal, pelo que quis sair do país.
Sente esse reconhecimento na Arábia Saudita?
—Sem dúvida que sim. Sinto-me feliz por ser mais um a permitir que a imagem de competência do treinador portuguesa seja reforçada lá fora, em particular na Arábia, onde há investimentos fortes. Não tenho dúvidas que os clubes possam procurar ainda mais treinadores portugueses. Não esqueço também o reconhecimento de algumas pessoas importantes para mim, como família, amigos, ex-treinadores e jogadores com quem me cruzei. Pelo contrário, tenho de lamentar a ausência de felicitações por parte de qualquer entidade do futebol português. Nem uma mensagem ou telefonema, depois de um feito destes num país onde vão parar alguns dos melhores do Mundo.
As cinco rezas e os 50 graus
Treinar na Arábia Saudita exige uma adaptação repentina a uma cultura muito diferente. Mário Silva e os seus adjuntos sentiram muito o peso de uma forma distinta de pensar e de abordar o futebol.
Quais foram as principais dificuldades que sentiu nesta experiência árabe?
—Foram várias, a começar desde logo na temperatura, muitas vezes entre os 40 e 50 graus, o que condiciona muito o horário dos treinos. A religião é algo muito rígido para os jogadores locais. São cinco rezas por dias, o que, obviamente, temos de respeitar. Tivemos algumas dificuldades em implementar regras, mas transmiti sempre uma mensagem forte de que se fossem bons profissionais as suas vidas poderiam melhorar e a equipa chegaria longe. Tudo se concretizou, pois vários jogadores são pretendidos por clubes maiores.
Como era a vida diária?
—O Al Najma é da cidade de Unaizah, no interior. Não há muitas atrações, pelo que temos uma vida dedicada ao trabalho, até para nos resguardarmos do calor. Quero realçar o apoio dos adjuntos Eurico Pinhal, Rui Costa e João Azevedo. Sofremos juntos e celebrámos juntos no final. No clube tivemos a paz que falta noutros lados. O diretor desportivo Mohammed Alzaiyani foi um apoio fundamental para o nosso sucesso.