Francisco Chaló está num clube, o Paradou, da Argélia, sem estádio e que não tem mais do que 150 adeptos, mas conseguiu um inédito terceiro lugar no campeonato e um apuramento histórico para a CAF, prova internacional
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Dias antes de regressar a Argel, onde deve continuar a treinar o Paradou, Francisco Chaló revela, entre outras coisas, que deseja voltar a trabalhar em Portugal e na I Liga.
"O Slimani será provavelmente um bom exemplo para Brahimi: saiu do Sporting feliz e pode ter ganho muito dinheiro, mas não tem sido feliz, nem tido sucesso."
Por que razão foi treinar para a Argélia?
- Curiosamente, três anos antes já tinha tido uma proposta para ir para a Argélia. Mas, por várias razões, não foi possível. Fui na altura em que menos esperava, porque tinha contrato com o Leixões. Tinha havido uma pequena abordagem em abril, que não valorizei, mas o presidente do Paradou, em junho, insistiu e entendi que este seria o ano indicado para o meu primeiro desafio fora de Portugal.
Foi para a Argélia por falta de oportunidades em Portugal?
- Não, eu tinha contrato com o Leixões. Na altura tive um momento de grande reflexão. Achei que precisava de um desafio fora de portas para perceber como era trabalhar no estrangeiro e, principalmente, achei muito interessante o projeto.
Interessante porquê?
- Era um desafio muito grande, sobretudo na vertente formativa. O Paradou só pode ter jogadores formados no clube ou contratados a escalões inferiores. Sempre me apaixonou potenciar jogadores. Essa tem sido a minha sina: transformar equipas que não têm tido uma expressão muito grande. Fiz isso no interior, no litoral norte e faltava confirmar-me essa possibilidade no estrangeiro.
Em que contexto conseguiu ter sucesso?
- Temos um orçamento 25 vezes inferior a sete clubes que são muito fortes, com grandes investimentos e jogadores estrangeiros. A base de recrutamento do estrangeiro para a Argélia exige que sejam internacionais e com menos de 27 anos.
A sua experiência na I Liga foi muito curta: cinco jogos na Naval. Foi por não ter espaço na I Liga que aceitou este desafio?
- Não vou esconder: o meu sonho é trabalhar em Portugal e voltar à I Liga.
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Acha que poderá acontecer em breve e que terá condições?
- O meu passado fala por si. Não digo isto com vaidade, mas todos os clubes onde treinei não ficaram pior do que quando cheguei. Nunca desci de divisão e nunca falhei em todos os projetos que assumi. E dou dois exemplos: o Covilhã e o Académico de Viseu nunca estiveram na senda da subida de divisão a não ser comigo.
Depois deste primeiro ano no estrangeiro não pensa voltar tão cedo a Portugal?
- Penso sempre em voltar a Portugal. O meu pensamento, e da minha equipa técnica, é trabalharmos para voltarmos a Portugal. O dinheiro faz-nos muita falta, mas somos apaixonados pelo que fazemos e o que queremos é o projeto. E o projeto muitas vezes está acima do dinheiro. Gostaríamos de voltar a Portugal para nos sentirmos respeitados. Não gostamos de ter rótulos, queremos é, acima de tudo, ter o reconhecimento do que vamos fazendo e depois esperar que as pessoas percebam a nossa dimensão.
Clube sem estádio e treinos sem balneário
Como é que foi a adaptação à Argélia?
- Muito difícil. A primeira dificuldade foi esta: não temos estádio. Temos uma academia, com um centro de formação, onde habitam os jovens, e um campo sintético reduzido, sem condições para a equipa sénior. Durante a época toda, onde treinávamos não tínhamos balneário para tomar banho; íamos a casa.
Onde é que jogam?
- No estádio do clube que foi campeão, o USM Alger. Jogávamos no campo deles num contexto especial: não temos adeptos. Ficámos em terceiro lugar, o que é histórico no clube, conseguindo pela primeira vez o apuramento para a CAF, e no último jogo tínhamos 150 pessoas a apoiar-nos.
Complicado...
- Sim, mas também nos deu força o reconhecimento dos adeptos de outras equipas. Somos solicitados na rua por adeptos de equipas que têm 11 milhões de seguidores, como é o caso do MC Alger. Logo no primeiro jogo em casa, deparamo-nos com este fenómeno: 95 por cento do estádio estava repleto de adeptos do adversário. A nossa surpresa foi sermos assobiados na nossa própria casa.
Mas adaptaram-se rapidamente...
- A qualidade futebolística da nossa equipa foi rapidamente reconhecida. Nos jornais, fomos apelidados de "equipa do tiki-taka", a equipa do Barcelona, a mais atual... Senti-me naturalmente orgulhoso.
E financeiramente também vale a pena?
- Financeiramente é compensador. É ao nível da I Liga portuguesa, é compensador em relação à maior parte do que acontece em Portugal.
Não está arrependido de ter ido para a Argélia?
- De maneira nenhuma. Ao fim dos primeiros quinze dias disse para mim mesmo e aos meus adjuntos, André Mota e Miguel França: "Estamos aqui numa missão e a nossa missão é fazer um grande trabalho na Argélia."
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"Brahimi faz mal
em sair do FC Porto"
Na conversa com Francisco Chaló, claro que o futuro de Brahimi era um tema obrigatório. O treinador do Paradou não tem dúvidas de que o argelino faz mal em sair de um clube onde "cresceu imenso", em especial após a entrada de Sérgio Conceição.
Como é que o Brahimi é visto na Argélia?
- O futebol português é visto por causa do Brahimi. Há muito interesse pelo futebol espanhol, mas as notícias de Portugal chegam pelo Brahimi. É muito reconhecido, mas também é criticado por não apresentar, na seleção, as mesmas prestações que tem no FC Porto. A formação do Brahimi não foi argelina, ele foi muito cedo para França e nota-se que é muito criticado.
"O meu telefone nunca tocou tanto como agora, mas, estranhamente, de Portugal não tocou nenhuma vez"
Faz mal em sair do FC Porto?
- O futuro o dirá, mas se calhar faz mal. O Slimani será provavelmente um bom exemplo para ele: saiu do Sporting feliz e pode ter ganho muito dinheiro, mas não tem sido feliz, nem tido sucesso.
E pelo que fez nas últimas cinco temporadas, é uma perda importante para o clube?
- Claro que sim. No primeiro ano não era muito interessante para o FC Porto, mas a verdade é que ganhou o seu espaço e a sua importância e, aliás, o Sérgio Conceição teve um papel preponderante para recuperar o jogador.
Propostas de quase todo
o lado menos de Portugal
Francisco Chaló teve muitas propostas para sair da Argélia, mas foi com estranheza que não recebeu convites de Portugal. "O meu telefone nunca tocou tanto como agora, mas, estranhamente, de Portugal não tocou nenhuma vez", adianta, revelando que recebeu "propostas da II liga francesa, de quase todos os países árabes e mesmo da Ásia". O contrato com o Paradou ainda não está assinado, mas é para continuar. "Tenho tudo apalavrado. O presidente tem sido paciente, mas está tudo acordado e só não fico se surgir uma proposta irrecusável", garante.
Policiamento sempre ao nível dos clássicos
O contingente policial em cada jogo é "parecido" com o de um clássico em Portugal. E, relata Francisco Chaló, "com tanques de água, polícia de choque, tudo"...
"Tenho tudo apalavrado. O presidente tem sido paciente, mas está tudo acordado e só não fico se surgir uma proposta irrecusável"
Adeptos com pedras, facas e até sabres...
Num jogo, os adeptos estavam "munidos de pedras, facas e até sabres". Conta Chaló: "Depois de chegarmos ao balneário, 50 pessoas entraram pelo túnel para invadir o balneário." Como estava 0-0 ao intervalo, "voltaram a entrar 50 pessoas", o jogo começou 30 minutos mais tarde, ficou 1-0 para o adversário e, adianta, "a polícia ficou toda contente, caso contrário havia problemas".
Escolta policial em 400 quilómetros
Noutros jogos, a equipa foi escoltada durante 400 quilómetros. Tudo causado pelas convulsões sociais, à sexta-feira, "o dia crítico", os treinos eram policiados.
Quatro jogos em pleno Ramadão
Fez quatro jogos no mês do Ramadão. "Os jogadores não bebem nem comem nada", o que é "complicado, sobretudo numa equipa com uma média de 21 anos".