Mourinho atinge o milésimo jogo como treinador: "Até estou arrepiado a dizer isto"
Passados 21 anos da estreia como treinador principal, ao comando do Benfica, o Special One disputa hoje, no Roma-Sassuolo, o seu milésimo jogo nessa função
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Benfica, três, Sporting, zero. É ao décimo jogo como treinador principal que José Mourinho começa a dar mostras do toque especial que, no dia em que cumpre o seu milésimo jogo nessa função, é reconhecido em todo o mundo. Em 2000/01, as águias estavam na quinta posição do campeonato quando o antigo tradutor de Bobby Robson substitui Jupp Heynckes.
Há muito que o alemão tinha perdido o pulso ao balneário e os adeptos também ansiavam por novidades na equipa técnica. "Eu era o treinador da equipa B e assisti ao primeiro treino dele. Estava muita gente a ver, lembro-me bem que foi uma enchente", conta José Morais, relatando o entusiasmo geral pela chegada do atual técnico da Roma.
Filho do antigo jogador e treinador Mourinho Félix, José respirava relva desde que aprendeu a andar. Não foi jogador prodigioso, mas as manhãs do balneário não tinham segredos para ele. "Notei logo uma energia diferente nele. Uma energia nova", explica Morais. O treinador conseguiu cedo agarrar o grupo e o Benfica de Diogo Luís, Carlitos, Chano ou Dudic não deu hipóteses ao Sporting das estrelas João Pinto, Sá Pinto ou Paulo Bento. A nação benfiquista sentia o clube de novo vivo e já pressentia grandes feitos. Só que a nova coqueluche não estava para durar.
O Benfica apostou em Toni e Mourinho não voltaria a comandar as águias, seguindo para Leiria, onde sofreria apenas três derrotas num total de 23 jogos. "Ele dava-nos injeções de otimismo. Quando entrávamos em campo parecia que já tínhamos os jogos ganhos. Jogávamos muito à bola", conta Nuno Ferraria, então secretário técnico na equipa do Lis.
Um dos segredos eram os métodos de treino que haveriam de fazer escola a nível global. "Não havia tempos mortos. Nem matas, nem serras, nem praias. Só se treinavam movimentos de jogo. Eram treinos de uma intensidade espetacular", lembra Ferraria.
Seguiu-se o FC Porto, que agarra na quinta posição à 19ª jornada, conseguindo chegar ao terceiro lugar de 2001/02. Nas duas épocas seguintes, entre o antigo relvado das Antas e o tapete recém-estreado do Dragão, não deixa fugir o título nacional (que os dragões já não ganhavam há três anos) e escreve as primeiras páginas de ouro da sua história ao colocar no museu do clube uma Liga Europa e uma das duas Ligas dos Campeões azuis e brancas.
"O que tem de diferente é a relação que mantém com os jogadores. Conseguia que todos se sentissem importantes e estivessem felizes. Isso é fácil de conseguir com os que jogam. Motivar os que não jogam é que é difícil. Toda a gente motivada, feliz e focada nos objetivos", conta Nuno Morais, um dos portugueses que o treinador levou para o Chelsea, na sua primeira aventura no estrangeiro.
Em Londres também superou as expetativas e, mais do que isso, ajudou a transformar profundamente um clube histórico, mas com poucos hábitos de vitórias. Antes de chegar, os blues tinham sido uma vez campeões ingleses. Hoje, têm seis títulos nacionais, três dos quais ganhos pelo setubalense. O sucesso de Mourinho no Chelsea ajudou a abrir o mercado português de treinadores para o mundo e a torná-lo um dos mais atrativos até aos dias de hoje.
Segue-se Itália e a receita repete-se. Como por magia, mais um gigante adormecido é acordado por Mou, que conquista o terceiro título europeu de clubes para os nerazzurri, 45 anos depois do anterior. "Trabalho, disciplina e organização: foram esses os três elementos que eu mais absorvi da parte dele. É uma pessoa especial que tem a capacidade de te abanar a ponto de acordares para atingires o melhor de ti próprio. Até estou arrepiado a dizer isto. O que ele nos diz é: Tu és capaz!", conta agora José Morais, seu adjunto no Inter e, a seguir, no Real Madrid e na sua segunda passagem pelo Chelsea.
Mourinho passou depois por Manchester United, onde uma tripleta (Liga Europa, Taça de Inglaterra e Taça da Liga), em 2016/2017, representou a última linha escrita, até agora, no seu currículo. Ultrapassado um período sabático de quase um ano passado em Portugal, o técnico voltou a Inglaterra para assumir o Tottenham, mas a experiência esteve longe de trazer à tona o melhor Mourinho e, após ser despedido, optou por regressar a Itália, onde recuperou o sorriso e a ambição que vai hoje mostrar aos adeptos durante o Roma-Sassuolo, o seu "inimaginável" jogo 1000.
CURIOSIDADES
- José Mourinho é o único treinador do mundo a ter vencido a Liga dos Campeões e a Liga Europa por mais do que uma vez
- Foi campeão nacional em todos os países onde foi treinador
- À frente de FC Porto, Chelsea e Manchester United conseguiu vencer os quatro primeiros jogos oficiais que realizou, como agora acontece na Roma. Hoje, no entanto, pode ser a primeira vez que começa com cinco triunfos consecutivos
- Disputou três edições da Supertaça Europeia (jogo único) e não ganhou nenhuma. De todas as competições que disputou até hoje, é a única que ainda não conseguiu vencer. Fez esta época dois jogos da Conference League, que está na sua primeira edição
- Com 639 triunfos em 999 jogos, tem na carreira uma média de 1,92 pontos por jogo. Nos clubes que treinou antes da Roma, as melhores médis pontuais que obteve foi no FC Porto (2,31 por jogo) e no Real Madrid (2,30)
- Mourinho foi escolhido para dar voz ao Papa Francisco num filme de animação português que celebrava o centenário da aparição de Nossa Senhora de Fátima, em 1917.
- Um dos seus mentores é o professor e filósofo Manuel Sérgio. "O José Mourinho é um génio", disse este um dia.
- A mãe não queria que José seguisse a profissão do pai, mas este trocou o curso de gestão pelas Ciências do Desporto, no ISEF. Já licenciado, completa um curso para treinadores na Escócia.
- Com 49 anos e 12 dias, foi o treinador mais jovem de sempre a chegar aos 100 jogos na Liga dos Campeões
- Campeão espanhol com 100 pontos e 121 golos marcados em 2011/12, chegou a dizer que era ele o treinador do "melhor Real Madrid da história".
- Recorde para defesa menos batida numa da época da Premier League, com 15 golos sofridos
- Foi o mais rápido a chegar às 50 vitórias na Serie A (ao fim de 77 jogos), na Premier League (após 63 partidas) e em La Liga (em 62 jogos)
- Foi numa conferência de imprensa, à chegada ao Chelsea, que proferiu a famosa frase: "Não me chamem arrogante, mas eu sou campeão europeu e penso que sou especial." Foi a partir daqui que ganhou a alcunha "Special One", que ainda hoje perdura, mais de 17 anos depois.
- O último recorde bateu-o pouco antes de chegar à Roma. "Nunca tinha estado 40 dias sem dar entrevistas", contou, em agosto deste ano.