Mostovoi e a célebre goleada ao Benfica: "Pediram para não marcarmos mais"
Mostovoi foi uma figura desconcertante fora do campo, génio indomável nas quatro linhas, conquistou Vigo e arrancou o título de "Zar". Passara pelo Benfica sem glória
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Constou-me que está a pensar ser treinador, finalmente?
—Tenho o certificado mas não há tantas equipas como antigos atletas. Mas, não joguei 30 anos para ter que procurar trabalho. Apenas estou aberto, se alguém me chamar, ou se querem falar. A Rússia é complicada, quem entra não deixa entrar outros, há muito dinheiro envolvido e querem repartir entre os mesmos. Por isso, um treinador muda, por regra, cinco vezes de clube em dois anos. Não me interessa se surge algo da Rússia, pode ser de Espanha, de qualquer parte. Tenho casa em Málaga que me faz lembrar o bom tempo de Lisboa.
O Mostovoi foi cabeça de cartaz do 7-0 ao Benfica, ainda para mais brilhando contra uma antiga equipa. Foi um dia perfeito para si e de todas as maldades?
—Eu marquei um golo e fiz três ou quatro assistências. Foi especial, foi nos Balaídos, mas também foi muito fácil. Acho que foi a maior goleada sofrida pelo Benfica na sua história. Três ou quatro jogadores tinham jogado comigo como o Paulo Madeira e João Pinto. Para o Celta foi um dia de festa. Gostei de ganhar ao Benfica, mas não teve esse sabor que se julga, porque eu já sabia que íamos ganhar, que éramos melhores. Não contava era com o 7-0. Já nem fui a Lisboa, ia para quê!
Então esse Celta era muito superior?
—Não sei o que se passou com o Benfica, não me recordo bem. Levaram logo quatro na primeira parte. A certa altura pediam para não marcarmos mais. Saiu tudo bem e foi sem parar. Fomos fortes mas, naquele tempo, estávamos habituados, vencíamos o Real, a Juventus. Mas também nos sentimos mal porque não vieram títulos. Pela equipa que tínhamos e jogávamos merecíamos conquistar algo.
Mas, sabe-se, que não saíra bem do Benfica...
—Não foi fácil para mim, era a primeira equipa fora da Rússia, uma diferente cidade, tudo novo. Chegou e não joguei vários meses por falta de documentos. Depois as coisas não foram como queria. Eriksson escolhe, mas quem começa a época é Ivic. Ele não me deixava jogar, tinha histórias estranhas. Menos mal que o despediram. E, finalmente, entra o Toni. As coisas melhoraram e eu entro e marco um golo decisivo contra o FC Porto na Taça, que empata o jogo nas Antas. E seguimos em frente, vencendo na Luz. Era complicado, as vagas eram poucas, o Benfica tinha três russos, três suecos.
Como levavam os russos esse tempo?
— Estávamos sempre juntos, porque não falávamos bem português. Yuran começou logo a jogar, era um tanque, intenso e muito agressivo. Kulkov ia aparecendo, eu quase nada, faço 16 jogos. Tive que procurar outras equipas, porque o Benfica tinha jogadores fantásticos, mas eu sabia que não tinha espaço para jogar muito ali.
Como recorda a qualidade do Benfica que encontrou?
— Estava rodeado de jogadores fantásticos, Rui Costa, Paulo Sousa, João Pinto, ainda o Isaías, os suecos. Eram impressionantes. Eu era jovem e pagava a fatura do limite de estrangeiros. O Rui Costa, mais tarde, era dos jogadores que mais me encantava, adorava a sua parelha com o Batistuta na Fiorentina. Sei que é presidente do Benfica, que me convide para voltar a Lisboa ver um jogo e ter um bom jantar em Lisboa ou Cascais. Para tomarmos um bom vinho. Nunca mais voltei!
Gostava de Lisboa então?
— Gostava imenso do tempo, do sol, da praia, tudo somado. Cheguei em 1991, a União Soviética era muito diferente, estava num mundo distinto e como jogava pouco podia fazer o que quisesse. Estava todos os dias na praia a banhar-me. E posso ter aparecido cansado algumas vezes...
Encontrava-se com Alenichev, já que brilhavam em cidades muito próximas?
— Trocávamos visitas, ele ia a Vigo, eu ao Porto. Eu era melhor, ele mais pequenino e marcava menos golos. Mas recordo-me de ter marcado na final da Champions. O curioso é que, na véspera dele viajar para a Alemanha, estivemos em Vigo a tomar um vinho verde.
“Na Rússia, na época, não havia nada, fomos buscar a vida”
Mostovoi disparou cedo da Rússia, vendia requisitos para o topo. “Com 18 anos fui o melhor jovem do União Soviética, ganhei duas Ligas pelo Spartak e fui campeão da Europa sub-21 contra a grande Jugoslávia. Estava eu, Shalimov, Kanchelskis ou Kolyvanov. Fomos todos para a Europa, era tudo fácil, não pensávamos na política e tensóes, só queríamos jogar futebol e ganhar dinheiro. Na Rússia não havia nada, fomos buscar a nossa vida. Hoje é o contrário, há muita ‘pasta’ e ninguém quer sair. Os jogadores também são mais vulgares.”