ENTREVISTA - Renato Gaúcho, treinador do Grémio é um dos mais respeitados do Brasil. Chegou a picar-se com Jorge Jesus pouco depois deste chegar ao Flamengo, mas reconhece-lhe mérito por tudo aquilo que conquistou esta época
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Renato Gaúcho, 57 anos, é uma figura do futebol brasileiro há quase 40 anos. Despontou como avançado no Grémio no início da década de 80 do século passado e foi no tricolor gaúcho que venceu a Libertadores e a Taça Intercontinental em 1983. Talentoso mas atreito a polémicas, perdeu o Mundial de 1986 por razões disciplinares, quando Telé Santana decidiu riscá-lo do grupo a dias da partida para o México. Jogaria o Mundial seguinte, um ano depois de vencer a Copa América.
Como treinador, criou uma imagem que não cola com a que tinha como jogador. É um dos técnicos mais respeitados do Brasil, exigente e competente. Há pouco mais de três anos seguidos à frente do Grémio, na sua terceira passagem pelo tricolor, apesar de este ano só ter ganho títulos estaduais continua a merecer total confiança da direção e o apoio dos adeptos. Afinal, conquistou cinco títulos desde 2016, incluindo a Taça Libertadores em 2017. A O JOGO, antes de se conhecida a contratação de Jesualdo Ferreira para treinador do Santos, falou de Jorge Jesus e muito mais.
Como avalia a chegada de Jorge Jesus e Jorge Sampaoli, campeão e vice-campeão do Brasileirão, ao futebol brasileiro e que impacto poderão ter no futuro?
Acho que treinador bom tem espaço em qualquer lugar. E aqui no Brasil não é diferente. Tudo que puder servir para agregar valor ao que temos cá é importante. E tanto o Jorge Jesus como o Sampaoli fizeram grandes trabalhos aqui.
"O Flamengo tem um grupo que é uma verdadeira seleção. Se pegar no Flamengo e colocar a jogar contra o Brasil, o jogo vai ser muito duro. O Jorge Jesus soube como armar a equipa"
Olhando aos resultados e sucesso do Flamengo, onde esteve o segredo: na qualidade do trabalho de Jesus ou na valia do plantel?
Uma junção das duas coisas. O Flamengo tem um grupo que é uma verdadeira seleção. Se pegar no Flamengo e colocar a jogar contra o Brasil, o jogo vai ser muito duro. O Jorge Jesus soube como armar a equipa.
Concorda que o futebol brasileiro tem hoje uma maior visibilidade do lado de cá do Atlântico devido ao sucesso que ele teve?
Acho que isso é natural. Principalmente porque ele foi muito bem sucedido e conseguiu os resultados.
Há quem defenda atualmente no Brasil que os treinadores locais pararam no tempo. Subscreve esta análise?
Não. Temos grandes profissionais aqui no Brasil.
Houve grandes discussões sobre um eventual atraso do futebol brasileiro em relação ao que se faz atualmente na Europa. Acha que esse atraso é real ou não faz sentido?
Vejo que a qualidade técnica no Brasil caiu muito. Quando eu jogava, cada equipa tinha três ou quatro jogadores acima da média. Era difícil para o treinador da seleção convocar 22 atletas. Hoje não é mais assim. E é aí que está a diferença. Já fiz esse alerta aqui, principalmente com o pessoal que trabalha nas categorias de base.
"O campeonato brasileiro é um dos mais difíceis do mundo. Além disso, é muito longo e você precisa ter um grupo grande e equilibrado para poder brigar pelo título"
"O campeonato do Brasil é um dos mais difíceis"
O treinador do Grémio nunca foi campeão, mas admite que se a Direção do clube fizer do Brasileirão uma prioridade, então irá concentrar todos os esforços para ser bem sucedido na prova. Nas três épocas completas que leva no Grémio, Renato Gaúcho acabou sempre o Brasileirão no quarto lugar.
Desde que assumiu o comando do Grémio em 2016, com a exceção do Brasileirão, ganhou todas as provas disputadas. O que tem falhado para que não consiga vencer o campeonato?
Uma equipa não vai ganhar todas as competições que disputa. O campeonato brasileiro é um dos mais difíceis do mundo. Além disso, é muito longo e você precisa ter um grupo grande e equilibrado para poder brigar pelo título. O Grémio tem um grupo muito forte, mas é difícil quando se disputam três competições ao mesmo tempo.
Considera que a sua equipa está mais talhada para competições a eliminar do que para um campeonato com 38 jornadas onde a regularidade é fundamental para o sucesso?
Não vejo assim. Já disse algumas vezes que se a diretoria do Grémio me disser que a prioridade é o campeonato brasileiro, então vamos concentrar as nossas forças ali e tenho certeza de que vamos brigar pelo título.
Olhando ao último Brasileirão, considera que a classificação dos primeiros reflecte o real valor das equipas?
Acredito nisso. O campeonato provou que quem joga para ganhar e para a frente tem mais chances de atingir seus objetivos.
Nos últimos anos o Grémio foi a equipa brasileira mais competitiva nas provas internacionais. A que se deveu isso?
Trabalhamos muito por aqui. Temos uma equipa forte e qualificada. Além disso, recebemos todo o suporte por parte da diretoria. Aqui não falta nada para os jogadores. E temos uma torcida sensacional, que joga junto o tempo todo com a equipa.
"Sou um treinador que gosta de trabalho. Não abro mão disso. Me dedico a tempo integral ao clube. Moro num hotel"
"Divertimento é assistir a jogos"
Renato Gaúcho diz que assiste a todo o tipo de jogos e que aprecia um estilo ofensivo e de posse. O antigo avançado sublinha que tem ideias próprias e que ter jogado 20 anos é um diferencial importante.
Teve uma longa carreira de jogador e leva já uma larga experiência de treinador. Como se definiria como técnico e quais são as ideias e princípios de que não abdica?
Sou um treinador que gosta de trabalho. Não abro mão disso. Me dedico em tempo integral ao clube. Moro num hotel e o meu principal divertimento é ver jogos de futebol. Assisto a tudo que você possa imaginar. Gosto de futebol ofensivo, de posse de bola, com transição pelos dois lados do campo. Mas isso só é possível quando se tem as peças para se colocar esses pensamentos em prática.
Identifica-se com alguma escola? Quem são as suas referências?
Tive a sorte de ter trabalhado com os melhores treinadores que o Brasil já teve. E procurei tirar um pouco de cada um deles. Mas também tenho minhas próprias ideias e conceitos. Passei 20 anos dentro de campo e isso é um diferencial muito importante.