Sucesso das apostas em De Rossi, Pablo Marí e até mesmo em Jorge Jesus pode ditar nova tendência na América do Sul. Sem os mesmos meios dos rivais, São Paulo arriscou tudo na contratação de Juanfran.
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De Rossi no Boca Juniors, Pablo Marí no Flamengo e Juanfran no São Paulo. A perspetiva de jogadores europeus oriundos de mercados "proibitivos" mostrarem a sua classe nos relvados brasileiros ou argentinos foi sempre encarada como uma miragem, mas uma elite (bem) restrita começa a romper esse paradigma.
Finanças invejáveis e infraestruturas de primeira linha lançaram gigantes sul-americanos no ataque ao "proibitivo" mercado europeu
Embalados por vendas milionárias e políticas que visam explorar o potencial das marcas junto de universos de milhões de adeptos, Boca e Flamengo cresceram ao ponto de se tornarem sérios concorrentes dos EUA e da China como destinos apelativos para craques europeus, um fenómeno ainda inacessível para a grande maioria dos clubes da América do Sul.
O caso argentino é sintomático. Num país assolado por uma grave crise financeira, onde a galopante desvalorização do peso em relação ao dólar asfixia os clubes no mercado, o Boca soube contrariar o fatalismo local. "A chegada de De Rossi é consequência de um trabalho que iniciámos há anos. Podemos ter o melhor plantel do continente americano porque temos uma estrutura que funciona com esse objetivo", afirmou Christian Gribaudo, secretário-geral do Boca, a O JOGO. O sonho do italiano em vestir a camisola azul e amarela já era antigo, mas o dirigente xeneize garantiu que a concretização do negócio só foi possível pela infraestrutura de "primeira linha" oferecida ao jogador. "De Rossi mostrou os seus valores ao aceitar o Boca, que também conseguiu mostrar o que tem de melhor. Somos o único clube da Argentina com capacidade para contratar estrelas europeias porque damos segurança a nível desportivo, económico e estrutural aos jogadores", explicou.
"A chegada de De Rossi é consequência de um trabalho de anos. Podemos ter o melhor plantel do continente porque temos uma estrutura que funciona com esse objetivo"
Juanfran foi tomada de força do São Paulo
No Brasil há espaço para mais clientes de produtos de luxo provenientes do Velho Continente. Fazendo jus ao estatuto de maior potência financeira do país, que reparte com o Palmeiras, o Flamengo utilizou boa parte das receitas televisivas (as maiores do Brasileirão), de patrocínio e de vendas de jogadores para colocar em prática um ambicioso projeto financeiro que lhe permitiu pagar o elevado salário de Jorge Jesus, de agarrar Pablo Marí e de chegar bem perto de agitar o país com a contratação de Balotelli, a quem terá oferecido um salário de 300 mil euros por mês. "O Flamengo tem muita lenha para queimar e pode embarcar, sem problemas, nesta nova aventura. Tem uma marca muito forte e apercebeu-se disso a tempo", explicou Rodrigo Capelo, jornalista do portal "Globoesporte" especializado em finanças dos clubes, ao nosso jornal.
"O Flamengo tem muita lenha para queimar e pode embarcar, sem problemas, nesta nova aventura. Tem uma marca forte"
Com a intenção de não perder o comboio e à boleia da aposta em Dani Alves, o dono do maior salário do Brasil (332 mil euros por mês), o São Paulo tomou a posição de força de contratar Juanfran com o intuito de provocar uma reação em cadeia ao nível de receitas: suscitar euforia nos adeptos, aumentar o preço dos bilhetes e ter a devida recompensa ao nível da venda de merchandising. "O São Paulo não tem a força financeira dos rivais. É uma estratégia ambiciosa de Diego Lugano [diretor de relações internacionais] apoiada pelo presidente, que só tem mais um ano de mandato e precisa mostrar serviço. Mostraram que estão vivos e que querem subir para um patamar mais alto", garantiu Capelo.
Libertadores e paixão são canto de sereia
Desengane-se quem pensar que são apenas os milhões a ditar regras, pois o contexto social também tem o seu peso nesta "dança". Convidado por O JOGO para explicar os motivos que o levaram a assinar pelo Flamengo, o espanhol Pablo Marí apontou a tradição e a paixão como aliciantes em relação a ligas com outra capacidade financeira. "Fiquei com uma expectativa enorme de jogar num clube com dimensão mundial e sob o comando de um treinador do nível de Jorge Jesus. Outra das coisas que mais me "puxou" para o Flamengo foi a possibilidade de defender um clube que tem uma torcida única e avaliada em quase 40 milhões de adeptos. É apaixonante", explicou. Pablo Marí também considera que a mudança da final da Taça Libertadores para o Santiago Bernabéu, em 2018, abriu os olhos europeus a uma realidade sedutora: "Fiquei com curiosidade de disputar esta prova e tenho imenso orgulho de poder lutar por esse título."
As emoções suscitadas pelo River-Boca disputado em Madrid estenderam-se a craques como Griezmann, Fàbregas, Bonucci e Chiellini que, após viverem a experiência de um Superclássico ao vivo e a cores, confessaram que gostavam de sentir a adrenalina de um jogo da Taça Libertadores.
Aposta que raramente deu frutos
Um dos maiores desafios dos maiores clubes sul-americanos será inverter a tendência de insucesso com europeus. No Brasil, o sérvio Petkovic - vencedor de oito troféus por Vitória, Flamengo e Vasco e atual comentador televisivo - e o holandês Seedorf (Botafogo) representam a exceção à regra de passagens fugazes de um grupo de europeus onde merecem destaque os portugueses Dominguez (Vasco), Pereirinha (Atlético Paranaense), Rogério "Pipi" (Botafogo), Fernando Peres (Vasco) ou Paulo Madeira (que chegou a treinar no Fluminense sem jogar a nível oficial), mas também o espanhol Fran Mérida, o turco Kazim ou o alemão Baumjohann, entre outros.
Dominguez, Pereirinha, Rogério "Pipi" e Peres jogaram no Brasil. Luís Leal representa o Newell"s
Na Argentina, o cenário é praticamente o mesmo. O mais sonante de todos, Trézéguet, passou pelo River sem brilho e um dos que ainda "sobrevivem" nas pampas até fala português: o internacional são-tomense Luís Leal (Newell"s) que nasceu na Arrentela, no distrito de Setúbal.