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Quem o conhece sabe que não é fácil ouvir elogios da boca de Raymond Domenech, o antigo francês, que falou a O JOGO conquistado pela qualidade do futebol do Mónaco
A campanha do Mónaco na Champions já é um feito e nem o eventual afastamento nas meias-finais da competição, depois da derrota em casa contra a Juventus (2-0), o manchará. Raymond Domenech faz uma vénia a um treinador que, diz, soube ler o potencial dos jogadores e construir uma grande equipa à custa disso.
Como analisa o trabalho de Leonardo Jardim?
- Quando chegou ao Mónaco, teve de se adaptar aos jogadores que lhe deram. Tinha poucos avançados de qualidade, era uma equipa triste, defensiva e sem chama. Com o tempo, foram encontrando os jogadores de que precisavam e no início desta temporada recuperaram o Falcao. Não me parece que ele tivesse pensado a equipa com o Falcao, mas usou os particulares de pré-época para redefinir a estrutura e jogar com dois avançados, em 4x4x2.
Mas Falcao explica assim tantas mudanças?
-Não podemos esquecer os laterais que chegaram. O Mendy e o Sidibé participam muito no 4x4x2. Se me perguntarem como definiria o 4x4x2, responderia com o exemplo do Mónaco: é equilibrado, tudo nas doses certas. É a demonstração do 4x4x2 perfeito.
Então e as críticas de treinador defensivo?...
-Com os meios que tinha, era difícil fazer melhor; foi realista, fez um quarto lugar na época passada e isso foi muito bom.
Bastaram Falcao e dois laterais para estar na iminência de chegar ao título?
-Não. Há vários fatores, como os laterais e o Glik [central]. Na época passada sofreram 55 golos e, mesmo assim, diziam que ele era defensivo. Davam luta e agarravam-se a tudo para somar pontos. Esta época mudaram três defesas, sendo que dois [Mendy e Sidibé] são jogadores de contra-ataque, e isso permitiu que a equipa se exprimisse de forma completamente diferente. Depois há o Fabinho, que está a fazer uma temporada excecional, e o Bakayoko, que é uma complementaridade importante ao brasileiro. Além disso, ainda houve a explosão do Lemar e do Bernardo Silva. Foi toda a organização e o potencial dos jogadores que ele soube ver, proporcionando-lhes os meios para que mostrassem valor. Não ficou agarrado a uma ideia de jogo, soube modificar o registo da equipa, melhorar os aspetos defensivos e adaptar-se às circunstâncias e aos jogadores. Foi inteligente, percebeu o que devia mudar e aproveitou da melhor forma o que tinha.
A Imprensa francesa gosta dele? Jardim tem uma boa imagem?
-A Imprensa francesa é como todas as outras, não tem memória [risos]. Há um ano chamavam-lhe tudo, diziam que falava pouco, que não tinha relações com as pessoas, era fechado. Este ano... faz igual, só que tem jogadores que lhe permitem fazer mais algumas coisas. Mas é um treinador soberbo. Vai ser nomeado treinador do ano pela liga e pela Associação de Treinadores Franceses, que vão certamente votar nele. A ideia que se tinha dele transformou-se. No próximo ano, se falhar, vão voltar a dizer o mesmo, que não fala, que é triste, defensivo, etc...
Olhando para o que tem feito esta época, o trabalho dele é reconhecido ou não?
- Totalmente. É verdade que até os que o criticavam reconhecem isso, que ele soube transformar a equipa, melhorou o potencial e joga de outra forma. Todos lhe reconhecem qualidade, e não era fácil fazer o que ele conseguiu. Mesmo com o plantel que tem, gerir qualidade com desgaste físico nem sempre é evidente e ele soube fazê-lo sem destabilizar a equipa. Olhem para o que ele fez com o João Moutinho, por exemplo: à partida era titular, mas foi o que acabou por jogar menos e, ainda assim, o treinador manteve-o sempre sob pressão. Nos dois jogos com o Borússia Dortmund, até foi o melhor. Portanto, até na gestão tem sido inteligente.
Mas não é um exagero dizer, como a Imprensa francesa já escreveu, que Jardim mudou de mentalidade?
- É tão exagerado como quando diziam que ele era defensivo e cinzento. Com os treinadores, é sempre assim. Podemos dizer a mesma coisa, quando somos líderes do campeonato ou 15.ºs, só que não vai ser interpretada da mesma forma pela Imprensa.
A Juventus mostrou os limites da equipa?
- A equipa estava organizada em cima de dois laterais que se projetam muito bem no ataque. Mas o Mendy esteve "ausente". Os italianos souberam adaptar-se. Tiveram a consciência de perceber de que forma era possível travar o esquema. Jogaram com três centrais, povoaram o meio-campo e impediram os movimentos que o Mónaco faz e que destabilizam as defesas que os defrontam. Digamos que o Mónaco percebeu o que é o nível seguinte, o que é ter maior capacidade, maturidade e frieza.
O Mónaco será um justo campeão?
- Sem dúvida. Se compararmos os plantéis do Mónaco e do Paris Saint-Germain, diria que é um feito para Jardim. No início da época, quem apostasse num Mónaco campeão não estava longe de ser chamado inconsciente. Era o Paris SG e mais nada. Não se via uma equipa capaz de se impor aos parisienses. É excecional: vencer o PSG com aquela equipa é um feito enorme. O Mónaco é uma equipa que foi construída, moldada e gerida por Jardim de ponta a ponta.
É uma equipa que o seduz?
- E de que maneira! No coração de quem gosta de futebol, é uma equipa que dá um prazer enorme ver jogar. A equipa ataca bem e mexe-se bem... acho que conquistou os amantes do futebol.
