Nas ilhas Scilly há apenas duas equipas de futebol, que se defrontam todas as semanas para apurar o campeão. Apesar do tamanho, este território britânico também não dispensa futebol no Natal.
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Hoje é dia de Boxing Day na Premier League, uma tradição que faz do futebol parte ativa do Natal inglês, e as inglesíssimas Scilly, um arquipélago a sudoeste da Cornualha com pouco mais de dois mil residentes nas cinco ilhas habitadas e ainda umas quantas ilhotas sem vivalma, não ficam fora desse hábito. Também ali, no território mundialmente celebrizado como sendo o palco da liga mais pequena do mundo, embora esse estatuto não seja oficial, o futebol não pára. O Garrison Football Field, o único recinto disponível, abre portas para o Boxing Day, mas, como só há duas equipas a competir na liga, e para evitar repetir o jogo do costume, no Natal as regras mudam: a rivalidade fica de parte e o Bilhete de Identidade é quem os ordena.
Começaram por ser quatro, mas, desde 1950, o número de equipas reduziu-se a duas. Garrison Gunners e Woolpack Wanderers disputam a liga
Em vez de solteiros contra casados, o campo divide-se por idades. Os mais velhos enfrentam os mais novos e é esse duelo que, todos os anos, assinala a data no arquipélago. Este podia muito bem ser um belíssimo conto de Natal; já o resto da liga, contado ninguém acredita.
A história é simples. Em tempos, segundo rezam as crónicas (há quem se dedique a registar o futebol da ilha, destacando-se o boletim "This is Scilly News"), houve quatro equipas, mas a competição ficou, entretanto, reduzida a duas por volta de 1950 - Rangers e Rovers, rebatizadas, já em meados na década de 1980, como Garrison Gunners e Woolpack Wanderers.
São estes dois emblemas que, anualmente, disputam o campeonato local, entre meados de novembro e finais de março. É uma liga de inverno, talvez porque o arquipélago seja muito procurado quando os raios de sol começam ser mais frequentes.
Resumindo, todos os sábados, às 10 da manhã, são sábados de dérbi, no mesmo local. No fim, faz-se as contas e entrega-se a taça. E os restantes prémios também: jogador do ano, treinador do ano, goleador e jogador com mais assistências. Os clubes pertencem aos adeptos e os jogadores, amadores, não têm contratos para poderem ser livres de mudar e evitar que um dos lados acumule o talento todo.
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Taças, o uso do FAR e o sucesso comercial
O futebol das Scilly não se esgota no campeonato, porque há as taças. A época abre, aliás, com a Charity Shield e disputa-se ainda a Fordeck Cup, jogada a duas mãos, apesar de serem ambas no mesmo campo. Também há uma espécie de "competição internacional", porque uma seleção local que junta os melhores dos dois clubes enfrenta uma equipa "forasteira" convidada para discutir a Lyonesse Cup.
Com pouco mais de dois mil habitantes, como já de disse, o território tem uma base de recrutamento limitado, até porque os jovens costumam sair do arquipélago para estudar fora e o regresso nem sempre acontece. Mas, apesar das limitações, o burburinho gerado em torno desta marca como liga mais pequena do mundo (e o facto de O JOGO estar também a contar a história é prova disso...) transformou o futebol das Scilly num alvo publicitário apetecível. Em 2008, a Adidas levou craques como Messi, Beckham, Ballack, Kaká, Gerrard, Lahm e Podolski a pequenos territórios para os estimular a sonhar em grande. "Dream Big", assim se designava o projeto que embalava o Euro 2008, e que passou por Andorra, San Marino e, claro, as Scilly.
Mas há mais. Recentemente, aproveitando o início da época no arquipélago, a Vodafone decidiu testar a tecnologia 5G na liga mais pequena do mundo, mediante um sistema de vídeoárbitro (VAR) muito especial. E revolucionário: o FAR (fan assistant referee). Ou seja, ali, foram os adeptos a decidir. Segundo conta o "This is Scilly News", munidos de telemóveis que lhes foram fornecidos, os adeptos (não diz quantos, presumindo-se que não todos, embora também não sejam assim tantos...) transformaram-se em árbitros de bancada. Algumas faltas e até dois possíveis penáltis foram ajuizados pelo árbitro (Paul Charnock, para que conste) com ajuda de uma rápida votação online sobre os lances. Os Wallpack ganharam (4-3).
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"Nunca vi um árbitro tão feliz..."
A experiência foi resumida pelo presidente oficial da liga local, Anthony Gibbons. "Nunca vi um árbitro tão feliz depois de um jogo. Ele foi encorajado pelos adeptos a tomar decisões difíceis - e nem sempre a favor da minha equipa", disse. Supõe-se, assim, que por lá o presidente da Liga possa ser de um dos clubes abertamente. O diretor executivo da Vodafone em Inglaterra também se congratulou com a experiência. "Foi um grande divertimento e estamos felizes por termos sido os primeiros a trazer aqui a tecnologia 5G, que permitirá imagens de melhor resolução".
O problema, supõe-se, será quando se aplicar a outras ligas maiorzinhas, porque não é Natal todos os dias...