A Liga dos Campeões tem sido um feudo dos emblemas de maior dimensão, mas ainda resiste aos petrodólares, entre surpresas cada vez mais difíceis de encontrar. FC Porto e Ajax foram as exceções.
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O sonho europeu comanda muitas equipas a quem as vitórias internas já não chegam, mas nem as loucas injeções financeiras conseguem devolver a variedade ao palmarés. Se a "Orelhuda" for do Tottenham, que não gastou dinheiro em reforços esta época, seria um campeão improvável, como é cada vez mais difícil de encontrar, ao contrário de outros tempos.
Em 26 anos de Champions só houve dois novos campeões. PSG e City bem investem, mas continuam a ver a "Orelhuda" ao longe.
À exceção dos adeptos do Liverpool, que escolheriam o campeonato inglês que lhes escapa desde 1990, em vez da Liga dos Campeões que já conquistaram cinco vezes e podem chegar brevemente à sexta, a glória europeia é o maior objetivo dos tubarões. Foi o sonho da "Orelhuda" que guiou a contratação de Cristiano Ronaldo pela Juventus e de Neymar e Mbappé pelo PSG, foi o fracasso na UEFA que ditou a saída do tricampeão alemão Pep Guardiola do Bayern Munique e foi o impacto na Europa que praticamente apagou a recente escassez de títulos nacionais do Real Madrid.
Aposta-se forte, mas a Champions continua a ser terreno feudal dos vencedores tradicionais, por mais que os novos-ricos percam a cabeça. Curiosamente, o último novo campeão europeu foi o Chelsea, em 2012, já nove anos depois de ter sido comprado pelo magnata Roman Abramovich e numa época muito atípica: terminou a Premier League em sexto, teve dois treinadores (Di Matteo substituiu André Villas-Boas) e ganhou a Champions contra todas as expectativas.
Nessa época, o investimento dos blues não foi além dos 96 milhões de euros e, de facto, não é o dinheiro, por si só, que aproxima os clubes do prémio mais desejado. Claro que não falta poderio financeiro a, por exemplo, Real Madrid, Bayern Munique ou Liverpool - não vamos sequer tentar defender o contrário - só que o andamento europeu também pesa. PSG e Manchester City, juntos, têm 170 jogos na Liga dos Campeões.
Só duas equipas fora das cinco principais ligas venceram: o Ajax em 1995 e o FC Porto em 2004.
Só o FC Porto, sozinho, conta 225... e duas Champions no museu. Por outro lado, entre os cinco maiores investimentos de participantes na Liga dos Campeões, desde 2015/16, três pertencem a estes novos-ricos, mas nenhum se traduziu em algo acima dos quartos de final. Por contraponto, veja-se o caso do Real Madrid, que nas épocas do tricampeonato europeu distribuiu o dinheiro gasto em contratações da seguinte forma: 92 milhões de euros em 2015, 30 em 2016 e 40 em 2017. Para cúmulo da ironia sublinhe-se que o Manchester City está em risco de ser excluído da Liga dos Campeões precisamente por infringir as regras do fair play financeiro.
Tottenham pode ser uma rara surpresa
Se o Tottenham bater o Liverpool no dia 1 de junho, em Madrid, torna-se na 23.ª equipa a vencer a Champions e com menos dinheiro gasto em reforços esta época do que aquele que o leitor, muito provavelmente, tem neste momento na carteira: zero. Seria também um raro intruso entre os senhores do costume.
Em 26 anos do formato Liga dos Campeões, só duas equipas fora das cinco principais ligas venceram: o Ajax em 1995 e o FC Porto em 2004. Além disso, tem-se acentuado a pouca variedade entre os países vencedores - ver caixa - que se reduzem a três nos últimos nove anos e a cinco na primeira década do século XXI. Pelo contrário, houve campeões de sete países na década de 1990 e de seis nos anos 80.
O Tottenham vem de um grande campeonato, claro, mas não figurava entre os favoritos, tal com o Marselha em 1993 (única vitória francesa na Champions) ou o Dortmund em 1996. Todos os outros vencedores foram tudo menos surpreendentes.
A Liga dos Campeões continua a ser um lago de tubarões históricos e de sobrevivência difícil tanto para os peixes mais pequenos como para os tubarões vitaminados pelos petrodólares.
E não sendo espantoso ver as melhores equipas dominarem as provas mais exigentes, a verdade é que, noutros tempos, esses campeões improváveis não eram assim tão raros: Celtic (1967), Feyenoord (1970), Nottingham Forest (1979 e 1980), Aston Villa (1982), Hamburgo (1983), Steaua Bucareste (1986), PSV Eindhoven (1988) e Estrela Vermelha (1991), além, claro, do Benfica em 1961 e 1962 e, novamente, do FC Porto, que já tinha vencido a prova em 1987. Vários fatores podem explicar isto.
Desde logo o financeiro, cujo fosso não era tão vincado como agora e permitia atenuar as diferenças entre equipas, em benefício de campeonatos mais periféricos, porque, com as limitações de estrangeiros, estes conseguiam conservar talentos nos plantéis. Por outro lado, o próprio formato da, na altura, Taça dos Campeões Europeus era propício a surpresas. Só entravam os campeões nacionais de cada país - da Alemanha à Albânia e não três ou quatro equipas de Inglaterra ou Espanha, por exemplo - que competiam sempre em jogos a eliminar, num número inferior ao que um campeão europeu tem de realizar atualmente.
O futebol muda e vai continuar a mudar, mas a Liga dos Campeões continua a ser um lago de tubarões históricos e de sobrevivência difícil tanto para os peixes mais pequenos como para os tubarões vitaminados pelos petrodólares.
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Império britânico contra-ataca
O domínio das equipas espanholas na UEFA tem sido quase absoluto. Desde 2013/14, 19 das 20 finais internacionais de Liga dos Campeões, Liga Europa, Supertaça Europeia e Mundial de clubes foram conquistadas por espanhóis, à exceção da Liga Europa de 2016/17, do Manchester United.
Mas, esta época, tanto o campeão europeu como o vencedor da segunda prova da UEFA será proveniente de Inglaterra, o segundo país com mais vitórias (12) na Champions, ao lado de Itália e a seis de Espanha. Portugal, com quatro, fecha o ranking entre os países com mais do que um campeão europeu.
CURIOSIDADES
Holanda e Portugal dominam as exceções
Em 64 edições da Liga dos Campeões, 12 foram conquistadas por equipas fora do top 5 das principais ligas. Seis foram holandesas - Feyenoord, Ajax (quatro) e PSV e quatro portuguesas - Benfica em 1961 e 1962 e FC Porto em 1987 e 2004. O Celtic deu uma taça à Escócia (1967), o Steaua Bucareste foi o único campeão europeu romeno (1986) e a antiga Jugoslávia, mesmo em cima da desintegração, ainda viu o Estrela Vermelha ganhar (1991). Curiosamente, a França, que integra o tal top 5, só tem uma Liga dos Campeões, ganha pelo Marselha em 1993.
Os loucos anos 70 e os imprevisíveis 80 e 90
O palmarés da década de 1970 é curioso. Todos os que venceram fizeram-no pela primeira vez... e repetiram: tricampeonato do Ajax, tri do Bayern, bis do Liverpool e bis do Nottingham Forest. A seguir, tanto os anos 80 (seis países) como os 90 (sete) tiveram oito campeões diferentes.
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Virou o milénio e virou a tendência
Os primeiros dez anos do século XXI ainda tiveram oito campeões, mas a variedade tem diminuído. De 2010 para cá só houve quatro vencedores diferentes, mas as estreias são coisa do século passado. O último novo campeão foi o Chelsea, em 2012 e o anterior remonta a 1997, obra do Dortmund. No dia 1, ou o Tottenham se junta à lista de vencedores, ou o Liverpool mete a sexta.
Real Madrid a reinar como no início
A Taça dos Campeões Europeus arrancou em 1955/56 com um penta do Real Madrid, equipa que também venceu quatro das últimas cinco edições e lidera o palmarés, com 13 troféus.