Gonçalo Paciência e a troca do FC Porto pelo Eintracht: "Renasci na Alemanha"
ENTREVISTA - O início no Eintracht não foi fácil, teve uma lesão, mas virou peça crucial e voltou à Seleção. Gonçalo Paciência em entrevista exclusiva a O JOGO no dia em que defronta o Vitória de Guimarães
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Gonçalo Paciência renasceu no campeonato alemão e, antes da visita do Vitória, passou em revista a carreira. O avançado soma 14 golos com a camisola do Eintracht ao longo de 45 jogos realizados em duas épocas, se bem que tenha passado grande parte da primeira a recuperar de uma lesão.
Em 2018 trocou o FC Porto pelo Eintracht, uma mudança radical em termos de campeonato. Como é que viveu essa mudança?
- Apesar de me considerar uma pessoa aventureira e corajosa, como em todas as mudanças na vida há sempre uma desconfiança, por estar num país diferente e logo na Alemanha, algo que assusta um bocado, pelas pessoas, pela língua. Mas foi uma surpresa agradável, porque reparei logo que era um clube diferente, em crescimento. Foi uma boa mudança e uma decisão certa, da qual não me arrependo. Estava confortável no FC Porto, na minha cidade, com os meus amigos, no clube onde cresci, e mudei tudo ao vir para o Eintracht. Às vezes, a mudança é necessária.
"Na Alemanha, acabo um jogo com as perninhas todas rebentadas. Aqui, os níveis de agressividade são muito altos"
Lesionou-se no início e logo uma lesão grave no joelho [rotura do menisco]. Naquela altura chegou a temer que tinha dado o passo errado?
- Vinha de um futebol diferente e assustei-me um bocado, porque tive dificuldades em termos de ritmo e intensidade nos treinos. Por isso foi muito importante a confiança transmitida pelas pessoas, a forma como fui recebido; elas sabiam que ia ser difícil. Deram-me tempo. Não esperava lesionar-me e isso foi mais um entrave. Claro que naquela altura pensei que podia ter dado um passo errado, porque tive uma lesão grave e ao fim de dois meses estava a ser operado ao joelho. As pessoas olharam para mim de forma diferente, porque era um jogador novo, no qual tinham investido. E nunca se sabe como se regressa após uma lesão daquelas. Para mim, foi uma desilusão e eu não gosto de desiludir ninguém.
Agora, mais de um ano depois, é um dos jogadores mais utilizados no clube. Recuperou a carreira na Alemanha?
- Sim, renasci na Alemanha depois de várias épocas sem marcar tantos golos. Para se ter uma ideia, fiz a primeira pré-época no clube em que tinha jogado na temporada anterior. Os resultados estão à vista.
E voltou à Seleção Nacional...
- Quando vim para a Alemanha, também foi a pensar no regresso à Seleção, de maneira a poder fazer o meu trajeto. Estou muito feliz por ter voltado a jogar por Portugal, por ter ajudado a conseguir o apuramento para o Europeu. Agora tenho de continuar a trabalhar. Se não continuar a marcar golos e a jogar bem, não vai adiantar de nada. Claro que agora estou mais perto da Seleção do que há dois meses. Estar presente numa fase final de seleções é o objetivo de uma vida inteira, tal como é representar a nossa seleção. Preciso de manter o foco, caso contrário não há possibilidades.
O que lhe deu o campeonato alemão?
- Deu-me continuidade de jogo, intensidade e ritmo competitivo. Estava a faltar-me esta continuidade. Um jogador com confiança pode fazer coisas melhores. A diferença que mais notei na Alemanha foi a nível de intensidade, do físico e da agressividade nos duelos: aqui acabo um jogo com as perninhas todas rebentadas. Às vezes, em Portugal também acontecia, mas aqui os níveis de agressividade são altos; cada duelo é o duelo. José Couceiro foi a pessoa mais importante no meu crescimento, estava no V. Setúbal: ele potenciou-me ao máximo numa altura em que não estava bem e foi a partir daí que tive um clique, passei a ter uma mentalidade diferente. Aqui foi dar continuidade a essa mentalidade.
Campeão no FC Porto em 2017/18, Gonçalo Paciência partiu em busca da afirmação e da continuidade de jogo.
Se o Vitória estivesse na Bundesliga, por que lugar estaria a lutar?
-É muito difícil responder a esse exercício, porque, na Bundesliga, um clube pode estar no topo numa época e na outra pode estar em baixo. É algo que vai depender muito da confiança da equipa e do embalo que ganha no início de cada temporada. Na época passada, por exemplo, virámos o ano em terceiro ou quarto e depois acabámos em sétimo, um rendimento que não estamos a conseguir atualmente. Esta época não estamos no melhor momento. Outro exemplo, em casa, esta época, não perdemos os jogos com Bayern Leverkusen, Borússia Dortmund e Bayern Munique, mas, mesmo assim, estamos numa má situação; estamos muito bem em casa e mal fora.
O Eintracht conseguiu vencer em Guimarães...
-O Vitória criou-nos muitas dificuldades no primeiro jogo e, também por isso, o Eintracht está precavido para o que pode acontecer no segundo jogo. Há um respeito grande pelo Vitória e eu ainda tenho mais, por conhecer o clube, a sua realidade e também por ter vários amigos lá. Comparo o Vitória ao Eintracht, uma equipa que, tal como a nossa, não luta para ser campeã mas tem adeptos fiéis, presentes em todo o lado.
Há algum jogador do Vitória que lhe desperta a atenção?
-Não quero ser injusto, porque o Vitória tem vários jogadores bons, com qualidade. Têm o João Carlos Teixeira e o André André, que não podem jogar na Europa. Há o Rafa Soares, o Lucas Evangelista, o Edwards, o Davidson, todos eles são tecnicamente fortes, rápidos e podem criar dificuldades. O Vitória vale pelo todo. Falámos sobre isso depois do jogo e comentámos que têm uma boa equipa. Tenho lá amigos e falo muito com eles, estamos sempre na brincadeira. Aliás, eles pediram-me bilhetes para a família. Vai ser um espetáculo único, porque o Eintracht releva muito a Liga Europa e cria um ambiente fantástico, com coreografias incríveis.
"O Vitória é como o Eintracht, tem adeptos fiéis"
Domingos Paciência costuma dar uns saltos a Frankfurt para visitar o filho e a ocasião costuma dar sorte. O que lhe diz o seu pai quando o vê jogar no Eintracht?
- Ele fica contente. Aliás, sempre que ele vem cá ver-me jogar, eu marco golos. É um pai muito orgulhoso, porque sabe aquilo que passei e as dificuldades que tive.
E costuma festejar os golos como ele festejava...
- Sim, às vezes faço isso, mas, noutras ocasiões, a emoção é tanta que só consigo gritar. É o que sai na hora.
O ponta de lança do Eintracht tem dois jogos na Seleção Nacional. A estreia foi em novembro de 2017, com os Estados Unidos, e a segunda chamada foi no recente jogo com a Lituânia, e com um golo marcado.
Gonçalo Paciência chegou a Frankfurt no verão de 2018, ou seja, há pouco mais de um ano, sem dizer uma palavra em alemão. No início comunicava em inglês, no clube e na vida social, mas agora já não é assim. O avançado está a aprender alemão, um curso patrocinado pelo próprio clube, e já domina o idioma. "Nesta fase, já consigo manter uma conversa. O André Silva está noutro nível, porque está a começar a aprender, e eu sirvo de tradutor para ele. Ainda não me atrevi a dar uma entrevista em alemão, mas vou fazê-lo em breve", prometeu Gonçalo Paciência.
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