Gilberto Silva: "No Porto sinto-me em casa, é lugar de repouso e consigo desacelerar"
ENTREVISTA, PARTE I - Gilberto resume a sua vida no Porto, onde goza de próspera tranquilidade para agilizar recursos em negócios. Com Roberto Carlos lançou rede social “Striver” para ligação entre jogadores e os fãs.
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Antigo craque do Arsenal e da canarinha explica tudo sobre uma plataforma social lançada no Web Summit. Pela segurança e saúde mental dos jogadores, livres de insultos, ou qualquer forma tentada de abuso, ódio e assédio.
Como é a vida no Porto do Gilberto Silva, campeão do Mundo em 2002? E o que o trouxe para cá?
-É algo que já está a fazer dois anos. Foi um conjunto de razões, um projeto que estava a desenvolver, que me levou a estar boa parte da época passada com o Famalicão com sessões de coaching. Depois tenho um clima melhor, a vida tem sido excelente, super tranquila. Gosto disso e das pessoas. Conheci muitas, o Porto dá-me a tranquilidade de que preciso numa vida sempre agitada com muitas viagens longas, muitas horas de aeroporto. É intenso e quando volto sinto-me em casa, é lugar de repouso e consigo desacelerar. Trabalhando com futebol facilita estar cá, sou embaixador do Arsenal e da FIFA e tenho diversas atividades pelo Mundo. Curiosamente, não conhecia o Porto, só de ter jogado pelo Arsenal. Por Lisboa já havia passado algumas vezes, escalas de voos do Brasil para a Europa e achei demasiado agitado. No Porto foi impressionante a conexão, foi tudo ao encontro que me diziam vários amigos do futebol e do mundo corporativo. Falavam maravilhas desta cidade. Estou a sentir esse carinho, por isso vivo cá com esposa e três filhos.
E agora o Gilberto é rosto de um projeto com o Roberto Carlos, é isso?
-Estamos a desenvolver, já disponível, a rede Striver para engajamento de fãs do futebol, imaginando a sua chegada a outros desportos. O Roberto Carlos é um dos sócios da plataforma, lançada no Web Summit. A base assenta em criar um lugar seguro para que o jogador possa interagir com o adepto comum, ter conversas normais. É, no fundo, uma reação às queixas das pessoas nas redes, o abuso e a linguagem grosseira nas redes, que atinge muito o atleta de alta competição. Striver modera essa conversa, filtra e restringe o que for conteúdo abusivo. Oferece segurança. Não estamos a falar de divergências, só mesmo o que for grosseiro. Queremos trazer uma imagem mais positiva para que o jogador se sinta confortável. Já conseguimos alguns embaixadores como o Materazzi, Sol Campbell ou Maguire, exemplos de quem sofreu nas redes.
Inglaterra como ponto de partida?
-É verdade! Já está mais desenvolvido, permitindo conversação, publicações e dinâmica na troca de mensagens em vários formatos. Vemos já jogadores proativos nesta experiência. A ideia partiu de Inglaterra, do meu sócio e co-fundador TimChase. Quando começou o projeto tinha-se tornado pai solteiro, usava o YouTube com o filho e pensou em construir algo que fosse mais seguro, sem abusos.
Como é feita a moderação?
-Foi manual numa primeira fase, mas tornou-se inviável. Demorou tempo a consolidar o processo, a inteligência artificial veio facilitar. A moderação escrutina a palavra, uma frase, e compreende o sentimento gerado pelo conteúdo, que pode ter uma fotografia. Só reprime a menção grosseira, é uma avaliação de segundos.
Não há riscos de censurar opiniões?
-Temos uma equipa que acompanha tudo e há bloqueios reversíveis. Dou como exemplo um adepto do Manchester United, que fez vídeo em frente ao estádio, e, de fundo, aparecia um patrocínio, de uma marca de vinho, “El Diablo”. A aplicação entendeu que essa palavra em espanhol podia ser agressiva ou ferir. Mas não havia intenção de ofender e o conteúdo foi libertado, após análise da equipa. Mas, assim, resguarda-se qualquer dano.
“Interação nas redes a partir da Grécia”
Gilberto Silva fala também do seu envolvimento com as plataformas sociais. “Comecei a usar redes quando fui jogar para o Panathinaikos. Queria comunicar com pessoas do Brasil, pois não havia consciência do que ocorria no futebol grego. Foi uma interação fantástica, em que explicava algumas coisas. As redes começaram a escalar muito nos últimos anos e obrigam a um sentido de responsabilidade. No meu tempo não era tão comum, hoje o atleta delega em pessoas para cuidarem de tudo o que está dentro do departamento”, explica.
Esta plataforma também entronca nos alertas da saúde mental face a julgamentos grosseiros em praça pública?
-Ajuda os jogadores a estar num ambiente onde dispensem preocupações. Infelizmente, é uma dinâmica comum no passado recente, haver pessoas que atacam um atleta por um di a mau ou uma má temporada. Não têm de ser agressivos, devem entender o ser humano além do jogador. O comportamento das pessoas é que fez as coisas fugirem de controlo, as plataformas vieram só dar visibilidade a esses elementos. Claro que tem influência no aspeto mental, é algo já em debate em Inglaterra. Há muitos jogadores inquietos a abandonarem as plataformas existentes. Queremos ajudá-los a usarem um canal próprio livre dessa linguagem e ataques. Onde poderão expressar-se sobre o jogo, a carreira e a vida, falar abertamente com os fãs.
E não haverá aqui riscos de os clubes verem este plano de comunicação demasiado ousado?
-O atleta tem de ter independência no que faz, e, ao mesmo tempo, responsabilidade. A maioria deles compreende isso muito bem, tem de tomar posse da sua palavra, falar com as pessoas e lidar com sensibilidades diferentes. Muitas pessoas admiram o trabalho do jogador e querem apenas ouvir e sentir proximidade. O atleta é responsável pelo que diz, mesmo que o clube exerça um controlo muito grande. Striver quer dar esse conforto e ajudar a cuidar o aspeto mental dos atletas, bem como salvaguardar a integridade da instituição, porque os clubes também são vítimas de abusos. É uma forma de fazer fluir, canalizar a comunicação, as livres opiniões. Tudo o que pretende é fomentar uma interação positiva.