Francisco Geraldes: "Chegamos a um nível de destruição do planeta, isto vai ocorrer mais vezes"
Médio português não sofreu especialmente com o dilúvio Dana, que irrompeu por Valência e pelas proximidades, embora a visão da tragédia seja próxima a partir de Alicante
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Agora a jogar na Comunidade Valenciana, depois de deixar a Malásia, Francisco Geraldes viu adiado o jogo do Eldense com o Huesca, em função do luto e consternação que grassa no território com consequências ainda difíceis de explanar e com balanços que arrepiam de dia para dia como é o caso do anúncio de quase 2000 desaparecidos. O médio português não sofreu especialmente com o dilúvio Dana, que irrompeu por Valência e pelas proximidades, embora a visão da tragédia seja próxima a partir de Alicante.
"É um cenário devastador, pese embora Alicante não tenha danos concretos. Assisti a um vento que nunca tinha presenciado, foi difícil de dormir há três noites. Depois seguiu-se viagem para as Canárias para jogo da Taça e agora vou vendo o rescaldo de tudo. Foi algo que aconteceu de forma muito súbita, não testemunhei nada para lá das imagens que chegaram pela televisão. Mas o efeito devastador está à vista, um cenário caótico também. A minha irmã estaria agora a viajar para Valência, mas já não foi possível. Ainda é tudo difícil de acreditar", expressou Geraldes, mais do que partilhando a experiência aterradora da proximidade, refletindo sobre os tempos modernos.
"É impossível fugir de algumas questões. O princípio de entreajuda está entre as pessoas afetadas, quem está na base. Mas não posso passar ao lado que se sabe que inúmeras pessoas foram obrigadas a trabalhar, apesar do alerta de máximo perigo ou catástrofe. Foram centenas, muitas serão agora as desaparecidas ou morreram por causa disso. A exploração do trabalho está acima de qualquer pingo de humanidade do capital, o que resulta nestas situações mais esdrúxulas, que são a morte de pessoas trabalhadoras, outras ficaram incapacitadas, feridas ou sem nada. Assim segue o jogo", acusou Geraldes, aprofundando as críticas.
"Não há muito a fazer agora sem que haja interferência estatal ou da própria Comunidade Valenciana, os danos são incalculáveis, é preciso mobilizar todas as forças. Mas falta saber se faltou algo de prevenção, tudo terá de ser estudado, porque existem mecanismos de proteção ambiente e da própria preparação da população para fenómenos destes", questiona o médio do Eldense. "Há um negacionismo presente nestes acontecimentos e torna difícil viabilizar um modelo crescente de defesa da população, da sociedade civil e do património. Estamos no Eurocentrismo, ou seja, o epicentro dos países que exploram o mundo e vemos que as catástrofes climáticas acontecem na periferia do epicentro do capitalismo. Estas tragédias têm-se multiplicado nos últimos tempos e, em termos políticos, não se dá a devida importância para nos dirigirmos ao problema no sentido de as tornar menos frequentes. Já não se trata de corrigir o que quer que seja, já atingimos um ponto de não retorno", vocifera, desejoso de um caminho diferente que parece distante da primeira linha de ação no globo.
"Nada disto vai abrir os olhos, o jogo vai seguir como tem seguido, na dinâmica do lucro e da exploração. Não vai melhorar grande coisas. Os mesmos sofrem primeiro, mas chegará a todos", evidencia Francisco Geraldes, mergulhando numa fita cinzenta que paira sobre o planeta. "O que o futebol ou os clubes podem fazer não representa nada, é tudo muito residual apesar dos esforços. A dimensão do problema é enorme, é muito estrutural, é consequência direta da nossa forma de explorar a natureza. Vamos orientando recursos para a caridade, união e entreajuda, mas não se pensa o problema no seu todo e, assim, não vamos fazer diminuir potencialmente estas tragédias. Temos de aceitar que chegamos a um nível de destruição do planeta, que isto vai ocorrer mais vezes, temos de pensar estruturalmente numa dinâmica de vivência no mundo em que não se priorize o lucro em detrimento da natureza e das pessoas", alerta o médio do Eldense, oferecendo um contributo mais ponderado sobre a raiz desta mortandade ruinosa que se abateu em Valência no seguimento do dilúvio Dana e dos tornados desencadeados.
O tempo é de sofrimento e desespero e Geraldes também sai em defesa dos mais desfavorecidos num cenário de cortar a respiração. "Relatam-se as pilhagens, os roubos e alguns até podem acontecer sem explicação. Mas de grosso modo usa-se isso para criminalizar, é um discurso para criminalizar a pobreza e a desgraça. Há pessoas que só tentam ir buscar comida a grandes superfícies, mas tenta-se responsabilizá-las por estas ações. É apenas instinto de sobrevivência! Estamos a falar de supermercados inundados, comida a estragar-se e propaga-se algo nas redes como roubos. As pessoas não têm o que comer, não têm eletricidade, viram a cidade virar um caos, tudo destruído. Esta é a única salvação."