Finalistas do Euro'2024 mostraram estilos de jogo opostos. Neste domingo, vão decidir qual ideologia que sobressai
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Se alguém dissesse que a final do Euro’2024 seria entre Espanha e Inglaterra antes do torneio começar, era provável que houvesse um certo espanto pela Espanha chegar tão longe. Se alguém dissesse o mesmo ao fim da fase de grupos, a seleção responsável pelo espanto seria a Inglaterra.
Os espanhóis chegaram ao Euroopeu com uma geração renovada e com a expetativa de fazer uma campanha sólida, mas nada muito acima do que fizeram nos últimos anos. Os ingleses, por outro lado, chegaram de uma derrota nos penáltis na final do último Europeu e com uma das melhores gerações – se não a melhor – de sua história.
Mesmo assim, quem parece ter a geração de ouro é a Espanha. Poucos conseguiam prever que a Espanha fosse tão dominante. Afinal, a fúria esteve muito abaixo do que era capaz nos últimos torneios internacionais e viu o seu estilo de jogo tornar-se redundante. As equipas de Hierro e Luis Enrique jogavam com sistemas extremamente defensivos, com uma posse de bola pouco objetiva, muito diferente da Espanha de hoje, que joga num ritmo frenético e implacável.
Hoje, quem joga assim é a Inglaterra. Com um plantel cheio de craques, Gareth Southgate não parece tirar proveito do melhor que tem da atual geração que comanda e dependeu de uma série de momentos pontuais de brilho individual de seus jogadores para passar – o golo de bicicleta no último minuto contra a Eslováquia, o golo de Saka de fora da área contra a Suíça, ou o golo súbito e inesperado de Watkins contra os Países Baixos.
Espanha e Inglaterra não é só uma final entre duas gigantes europeias, muito menos apenas uma final de duas potências emergentes do futebol mundial – afinal, foi a mesma final do Mundial feminino. É uma final entre dois lados da mesma moeda.
Wayne Rooney, lenda do futebol inglês, atribuiu a Pep Guardiola a culpa dos jogos letárgicos que fez a Inglaterra. Para Rooney, o jogo posicional proposto pelo espanhol prejudicou o futebol moderno e a seleção inglesa. Por outro lado, de la Fuente, selecionador espanholl, joga com esse mesmo jogo posicional e demoliu os adversários que enfrentou na competição.
A diferença principal entre as duas equipas está na forma com que tratam a posse da bola. Talvez o mérito do que Rooney disse esteja em apontar a falsa premissa de que ter mais a bola significa marcar mais golos. Sistemas com foco na posse da bola são fundamentalmente defensivos, o difícil é fazê-los eficientes no ataque.
Felizmente para os espanhóis, eficiência não é um problema para sua seleção. Com o maior volume de remates e golos do Euro'2024 até o momento, os espanhóis são letais no ataque, e o empenho é de toda a equipa.
Com defeas que se sentem confortáveis ao subir para o ataque, um trio de meio-campo que é facilmente o melhor da competição, e um ataque elétrico, a seleção espanhola consegue transformar o tempo que tem a bola numa demonstração impressionante de criatividade e sinergia de grupo.
Mas há um diferencial fundamental nesta seleção espanhola e que torna este grupo único. Mesmo na sequência de três torneios internacionais consecutivos, a Espanha sempre sentiu muita a falta de um arquétipo muito comum de jogador: o extremo rápido e habilidoso.
Nico Williams e Lamine Yamal têm aterrorizado neste europeu e são o verdadeiro diferencial da seleção espanhola, tanto em comparação com as demais seleções, quanto em relação às gerações passadas. No Euro’2012, a lendária seleção da Espanha jogou com seis médios, parcialmente por conta da variedade imensa de talento que tinha no setor, mas principalmente por não ter opções mais tradicionais e de qualidade inquestionável que pudessem ocupar os outros espaços e fazer a diferença.
Com velocidade, imenso potencial de drible e grande qualidade no passe e no remate, a dupla de extremos deste ano consegue atrair os defesas e gerar espaço para que o restante dos jogadores possa atacar. Williams e Yamal não são perigosos só porque podem cortar para dentro e rematar, eles brilham de verdade quando conseguem arrastar dois ou três defesas consigo e passar a bola para um de seus companheiros livres.
A Inglaterra também tem jogadores capazes de realizar as funções dos extremos da Espanha, mas seu sistema é muito mais conservador, e isso se reflete em seu ataque.
Com um baixo volume de remates, especialmente para um finalista, a Inglaterra não é a equipa mais ameaçadora no ataque. Em todos os jogos com exceção do primeiro, pareceu jogar de igual para igual com seus adversários, embora tivesse um plantel muito mais habilidoso. Eslováquia e Suíça, em especial, conseguiram explorar as fraquezas dos ingleses no ataque, em especial seu lado esquerdo.
Gareth Southgate convocou quatro laterais, sendo apenas um deles natural na esquerda. Luke Shaw foi convocado ainda lesionado e não jogou sequer 90 minutos pela seleção nesta competição. Em seu lugar joga Trippier, lateral direito de origem. Mais à frente, Foden ou Bellingham atuam como os médios mais amplos, mas nenhum deles conseguiu fornecer a amplitude necessária para que os ingleses conseguissem explorar o espaço.
Para além da falta de amplitude, a Inglaterra não é ajudada pelo facto de que Kane, Rice e Walker não estão no seu melhor no momento. Mesmo assim, sua resiliência ao longo da fase de grupos foi impressionante: venceu três jogos, que só foram decididos a partir dos 90 minutos.
Embora nenhum jogador mais estabelecido tenha se destacado neste Euro, um jogador em específico chamou a atenção.
Kobbie Mainoo, joia do Manchester United, está a fazer um Euro'2024 fenomenal. O jovem de 19 anos foi parte do onze inicial desde os oitavos, e foi certamente um dos melhores jogadores contra os Países Baixos.
Mesmo a jogar como um box-to-box, Mainoo ainda consegue oferecer muito à equipa na posse, visto que é muito resistente à pressão e não tem medo de progredir com a bola para frente. Sem ela, oferece um grande empenho defensivo. Mesmo no último jogo foi incansável e essencial para que os ingleses alcançassem a final.
Contra a Espanha, Rice e Mainoo terão de se esforçar muito mais do que já se esforçaram para pararem o futebol letal dos espanhóis. E isso vale para toda a seleção inglesa. O maior desafio até agora foi a seleção holandesa que passa por uma fase complicada. Do outro lado da chave, a Espanha enfrentou a atual campeã Itália, a finalista do Mundial França, e a anfitriã Alemanha.
Ainda não se sabe se Southgate vai usar a variação com dois ou três centrais de seu sistema, mas independente da forma, sua proposta de jogo não deve mudar. A final do Euro’2024 vai mostrar dois lados da mesma moeda: um sistema com foco na retenção da bola por questões defensivas, outro por questões ofensivas. Southgate e de la Fuente são treinadores com filosofias opostas, mas só uma delas vai levar o troféu para casa.