Fernando Santos com ases na manga: "Otávio ganhou o respeito dos que criticaram"
Diogo Costa e Otávio foram surpresa no onze que venceu a Turquia. O arrojo do selecionador foi justificado de forma brilhante pela dupla portista e aplaudido pelos pares.
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Apesar de ter mais de meia centena de jogadores lançados no longo e vitorioso percurso na liderança da Seleção Nacional, Fernando Santos não é visto como um treinador adepto de grandes mudanças e também por isso foi ainda maior o impacto do onze em que apostou para vencer a Turquia (3-1), no primeiro jogo do play-off de apuramento para o Mundial do Catar.
Diogo Costa, que o selecionador estreara nos AA no encontro de preparação com os cataris, em outubro do ano passado, surgiu no lugar de Rui Patrício e Otávio foi outra novidade portista no onze inicial.
A estranheza com que as opções foram recebidas na contagem decrescente para o desafio que era de vida ou morte para os planos de qualificação diluiu-se rapidamente.
A baliza não tremeu - os deuses e o ruído ensurdecedor dos adeptos poderão ter ajudado, quando Burak Yilmaz atirou para fora o penálti que daria o 2-2, a cinco minutos do fim - e o médio do FC Porto, nascido no Brasil e naturalizado português, precisou de apenas um quarto de hora para colocar a Seleção Nacional em vantagem no marcador e antes do intervalo ainda cruzou para o 2-0; no resto do tempo, foi aquele bicho de futebol em estado puro, matreiro e solidário, que Sérgio Conceição andou a defender, há uns anos, quando se questionava por que insistia nele no FC Porto.
Analisadas pelos olhos de outros treinadores, a coragem das escolhas de Fernando Santos merece aplauso, desde logo, pela coerência de mudar, depois da derrota com a Sérvia que precipitou Portugal para o play-off, como registam António Conceição e Carlos Brito, e também pelo acerto da fórmula para anular a Turquia, referido por João Henriques e sublinhado por José Gomes em jeito de defesa da classe. "O treinador, quando muda, não tem como base da decisão o seu próprio futuro, mas única e exclusivamente a análise do que os jogadores fizeram e do adversário, do que perspetiva que venha a ser o jogo", afirmou, como que a clarificar a diferença entre a perspetiva de quem está de fora a observar e a integridade de quem só tem em mente fazer o melhor trabalho. Indiscutível é o sucesso dos ases azuis lançados por Fernando Santos, que anda perto da nota máxima para os quatro treinadores ouvidos por O JOGO. Nem todas as opções são consensuais, como tratam de explicar, de forma desassombrada (ressalvam que falam à distância e sublinham o respeito pelo selecionador), mas, quanto a Diogo Costa e a Otávio, assumem que a baliza ganhou com o jovem portista e que a agressividade de do médio fez bem a Portugal. Ambos seriam vistos com naturalidade no onze que terá pela frente a Macedónia do Norte, esse derradeiro e insólito obstáculo na qualificação que afastou o campeão europeu do Mundial do Catar.
Inquérito
1 O que leva um treinador a mudar tanto num jogo decisivo para o seu próprio futuro?
2 Que nota daria ao selecionador Fernando Santos neste jogo?
3 A aposta em Diogo Costa deve ser mantida? É sinal de uma mudança de ciclo na baliza?
4 Com o regresso de Pepe, Moutinho deve manter a posição 6 ou Danilo é a melhor opção?
5 Depois da exibição contra a Turquia, Otávio ganhou o lugar?
António Conceição
Treinador
"Fernando Santos demonstrou ter coragem e personalidade"
1 Acho que as mudanças de Fernando Santos têm que ver com o momento de alguns jogadores e o que fizeram no últimos jogos pela Seleção. Penso que quis dar um abanão emocional, passar a mensagem de que todos contam, desde que focados. As surpresas foram as entradas do Diogo Costa e do Otávio, porque todos os outros são ou já foram titulares noutros momentos.
2 Dou uma nota muito positiva pela coragem demonstrada num jogo de mata-mata, sabendo que o ambiente e confiança na equipa e selecionador não era o melhor. Passou ao lado disso, lançando os jogadores que achou que dariam a melhor resposta. Esteve muito bem pela coragem e personalidade demonstradas.
3 Pode ser sinal de uma mudança, mas o Rui Patrício não é velho. Santos não quis justificar a troca. O Diogo Costa está a ganhar o seu espaço, está a fazer uma grande época no FC Porto, é um grande talento. Também aqui, Santos revelou coragem, não tanto pela qualidade do Diogo Costa, mas por tudo o que o Rui Patrício já fez na Seleção.
4 Depende da estratégia. Moutinho dá mais dinâmica, melhor saída de bola em posse e velocidade. Com Danilo a equipa ganha capacidade física. Moutinho esteve ao seu nível e se continuar será boa opção. Se for o Danilo a jogar, será por uma questão estratégica.
5 Havia outras excelentes opções. Creio que, ao colocar Otávio, o selecionador quis ganhar agressividade na transição ataque-defesa, porque é um jogador que participa muito no momento defensivo, define bem no ataque e tem ainda golo. Foi uma aposta ganha em toda a linha. Justificou chamada. Para o jogo com a Macedónia, a equipa não deve mudar muito. Só devem entrar Cancelo e Pepe.
José Gomes
Treinador
"Otávio ganhou, pelo menos, o respeito dos que criticaram"
1 O treinador, quando muda tem como base, única e exclusivamente, a análise do que os jogadores fizeram e do adversário, do que perspetiva que venha a ser o jogo. Um treinador que, e seguramente não é o caso do nosso selecionador, venha a tomar decisões pensando no seu próprio futuro vai estar sempre castrado e manietado. Estou certo de que fez a escolha a pensar apenas na importância do jogo para a nossa seleção.
2 Todos temos perspetivas diferentes e há ali no 2-1 uma alteração, a entrada do William - nada contra, ele é capaz de acalmar o jogo - retirou-nos poder de ataque, que recuperámos nas substituições seguintes e com o penálti falhado. Por isso, num jogo em que foi atingido o objetivo, não se pode dar nota máxima. Diria um oito.
3 É o respeito pela grande época que está a fazer, com um ciclo tremendo de vitórias e, à semelhança de Otávio, foi uma aposta ganha. A justiça seria dar continuidade - isto é visto à distância, mas é a minha leitura.
4 Danilo fez um excelente jogo, tem demonstrado, ao serviço do clube, que desempenha muito bem a posição de central. O regresso de Pepe é expectável, mas não é líquido. Vai depender muito do tipo de problemas que a Macedónia do Norte poderá causar, e confesso que não conheço. A única razão para não iniciar o jogo com um meio-campo mais dinâmico e criativo seria a preocupação com esquemas táticos defensivos.
5 Não sei se ganhou o lugar. Ganhou, pelo menos o respeito dos que acharam que não devia ter jogado. Fez tudo bem, jogou com o espírito FC Porto, ou seja, com agressividade, vontade de recuperar, passes excelentes, ainda fez o golo. Deu uma resposta merecedora de continuidade.
João Henriques
Treinador
"Diogo Costa acrescenta qualidade no jogo de pés"
1 A estratégia foi delineada de acordo com as características da Turquia, e daí algumas alterações. Vi-as de acordo com o que poderia ser a Turquia, e no próximo jogo até pode mudar completamente de estatégia e de escolhas.
2 Na obtenção do resultado e da passagem é nota máxima, bem como no que foram as substituições, num momento difícil da equipa, que acabaram por resultar.
3 O Diogo Costa tem uma coisa boa que acrescenta às características dos nossos jogadores, no jogo de pés tem muita qualidade. Vem trazer mais coisas boas e é natural que haja, pouco a pouco, algumas alterações, porque entendeu que é, nesta altura, o guarda-redes que dá mais garantias do que se pretende para o jogo.
4 Isso depende daquilo que for a Macedónia, porque o Moutinho dá coisas muito boas ao meio-campo e são jogadores completamente diferentes. Vai depender muito do que for a Macedónia e da análise feita para o jogo. Danilo, se for um jogo mais direto, de bola no ar, é muito bom, mas isso depende muito do que for o plano estratégico para o jogo.
5 Otávio foi preponderante, não só pelo golo e pela assistência, mas, à semelhança do que faz no FC Porto, por ser um falso ala, pela capacidade de dar superioridade no meio-campo e pela sua agressividade com e sem bola. Foi importante para dar garantias de ser mais uma opção válida para o treinador.
Carlos Brito
Treinador
"Não manter Diogo seria uma surpresa tão grande como foi vê-lo"
1 O que aconteceu com a Sérvia, e Fernando Santos, logo após esse jogo, deu a entender que ia mudar muita coisa, e o fator decisão, porque esta era uma final dentro da final. Então, há nova oportunidade e novos jogadores. Também foi obrigado a mudar, porque não teve à disposição alguns jogadores. Uma coisa é um resultado negativo, outra é a quantidade de jogos que se venceu com esses jogadores.
2 Há aqui a obrigação e a opção, daria um oito. Por exemplo, acho que o Danilo era melhor na posição do Moutinho; teria de se arranjar outro central e o Gonçalo Inácio está a jogar no Sporting, é campeão nacional.
3 Faz parte da vida. Rui Patrício é uma figura incontornável da Seleção, uma referência. Foi uma surpresa, estou em crer que ninguém imaginaria Diogo Costa titular, e eu daria continuidade a esta opção. Acredito que Fernando Santos o fará. Diria até que, se não for assim, a surpresa será tão grande como foi colocá-lo com a Turquia.
4 Parece-me que Danilo é a melhor opção na posição 6. Se Pepe puder - se estiver assintomático, não me parece que a paragem vá ter influência a nível físico -, coloca-lo-ia a ele e ao João Cancelo na equipa, sem ter nada a dizer do Diogo Dalot.
5 Na minha opinião, Otávio já tinha tido lugar. Aliás, mesmo em contexto de clube, Otávio, para além de Pepe, tem sido, nestes dois/três anos, o melhor jogador do FC Porto, embora haja quem preferisse Corona, e excetuando as ações individuais de Luis Díaz. Percebo que temos excelentes médios, sem dúvida, agora, Otávio acrescenta algo em termos de agressividade, no bom sentido.