Cenário muito complexo em Gondomar, onde se pensa nas vítimas e numa família que fica destruída e outra desamparada. Presidente Álvaro Cerqueira arrasado, falara com Jota na véspera. Craque estava sempre próximo do ponto de partida, recorria ao campo para treinar e até se fazia acompanhar por staff dos reds.
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As emoções carregadas pela morte de Diogo Jota e André Silva dominaram Gondomar, onde os dois irmãos eram heróis da terra, apreciados pelo talento e humildade. Verteram-se lágrimas e muito se duvidou da notícia, não podia ser real… Muitos populares, adeptos gondomarenses, transportaram-se, lentamente e pesarosamente para as imediações do estádio São Miguel e, mais especificamente, para a academia Diogo Jota, anexa ao recinto. “A notícia surgiu como uma bomba atómica”, atirou o tesoureiro do clube, presente num ato de respeito e veneração pelo significado do craque do Liverpool na terra. As flores e camisolas foram sendo depositadas, fotografava-se a tristeza e uma ternura entrelaçada com a memória de dois meninos que se fizeram no clube, causaram furor e voaram para outros mundos. Jota, do humilde São Miguel para Anfield Road, bafejado pela magia do “You’ll Never Walk Alone”.
De poucas palavras, arrasado, o histórico presidente do Gondomar, Álvaro Cerqueira, que concebeu a academia com o internacional português, há cinco anos, falou aos soluços, de coração dilacerado. “Não posso dizer muito. Foram dois meninos que nasceram aqui, é complicado... Falei com o Diogo às dez da noite, ele estava em viagem...”, desabafou o dirigente, dividido entre as recordações do menino que encantava, e do adolescente que cresceu depressa e se fez figura maior de Gondomar para o mundo. “É o nosso símbolo, está na maioria das páginas do nosso livro. É o herói destas crianças, de tantos miúdos que alimentam o sonho de serem um Jota”, descreve, falando do trabalho de uma academia destinada a jovens aspirantes a uma carreira futebolística, dos cinco aos nove anos. “O Diogo esteve connosco dos 9 aos 16 anos. Sempre falamos. Aqui foi o arranque da sua vida, depois veio a academia com o seu nome. Sempre que vinha a Gondomar, fazia questão de passar no clube, de assistir a jogos. Para ele era fantástico estar connosco, para os miúdos era uma alegria quando o viam. O impacto de tudo isto que aconteceu é forte e será duradouro, porque estes rapazes jogam com uma camisola que tem a fotografia dele ao peito”, precisa Álvaro Cerqueira, ainda sem discernimento para pensar objetivamente na melhor homenagem póstuma aos ilustres irmãos gondomarenses. A Câmara já decretou luto no concelho para hoje.
“É um choque que vai durar, vai demorar a passar. Vamos sempre lembrar-nos do Jota. Eu dava-lhe os parabéns a cada jogo, ele respondia sempre. Pedia o campo para fazer treinos aqui, vinha lesionado recuperar-se e trazia fisioterapeutas do Liverpool”, desabafou.
Mentalidade que o levou ao topo
A admirável história de Diogo Jota passa muito por Paços de Ferreira, um miúdo que chega com 16 anos, rotulado de predador pelos golos marcados em Gondomar mas, curiosamente, afastado do radar de emblemas de nomeada. Os castores garantem o avançado e este não demora a acelerar a sua jornada triunfal na Mata Real. Marca os primeiros golos nos sub-19 com Vasco Seabra, a sua inscrição como profissional ainda é beliscada em 2014/15 por uma monitorização mais apertada de uma questão cardíaca, chegando o relatório de aptidão em cima do tempo permitido. Um detalhe crucial, já que Paulo Fonseca arriscaria, meses depois, a inclusão do avançado como titular numa receção ao Reguengos para a Taça de Portugal. Jota marcou e nunca mais parou de ser opção.
Deixou registo de 18 golos na casa amarela em duas épocas, acendendo pretensões e o namoro forte do Atlético de Madrid, que pagaria sete milhões. Foi o jogador mais rentável da história do Paços. Com o dinheiro recolhido, o clube da capital do móvel ergueu obras numa bancada carinhosamente designada internamente como bancada Diogo Jota.
O avançado, tristemente falecido, deixa saudades e muitas em Paços de Ferreira, cativou toda a gente e um comportamento traduz na perfeição o que era. Depois de já ter contrato profissional, abdicou de casa própria para continuar no lar do clube com os outros jovens. Era ele o exemplo de rigor e conduta dentro das quatro paredes, deixando os diretores absortos com o seu profissionalismo. A mentalidade definiu a subida ao topo. Mesmo muito jovem, estava obstinado onde queria chegar e não se desviou um milímetro. Quando marcou o primeiro golo correu na direção da mãe para a abraçar. Já com Jota em Inglaterra, seria André Silva a chegar à formação do Paços.