Ex-Bayern entrou em depressão após morte da irmã: "Guardei a dor 11 anos"
Christian Lell afastou-se do futebol após a morte da sua irmã, de apenas 27 anos, vítima de fibrose cística e recordou em Lisboa a luta mental de 11 anos que teve de atravessar para ultrapassar o vazio emocional que essa perda provocou
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Christian Lell, antigo lateral-direito alemão que jogou no Bayern, Colónia, Hertha Berlim e Levante, marcou presença na semana passada no “Conscience Health Summit”, fórum de saúde mental que decorreu no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa.
Depois dessa visita a Portugal, o ex-jogador, de 40 anos, conversou com o jornal Marca para contar a forma como entrou em depressão e se afastou do mundo do futebol após a morte da sua irmã, em 2014, na altura com apenas 27 anos, vítima de fibrose cística.
Também afetado por traumas de infância, Lell demorou 11 anos a ultrapassar essa perda e refletiu sobre a forma como, após a sua retirada dos relvados, nem o sucesso de um negócio imobiliário o fez sair de um vazio emocional.
“Criei uma empresa imobiliária que desenvolve villas e apartamentos e, sim, foi bastante intenso. O futebol já me acarretava muita pressão de triunfar e eu saltei de um âmbito para outro sem dar tempo pelo meio. Passei diretamente do futebol a uma carreira imobiliária de sucesso, mas no fundo, sentia-me igual do que durante o futebol. Havia fama, êxito, dinheiro... mas algo dentro de mim continuava sem estar satisfeito. Eu acabava sempre por me perguntar: ‘Qual é o próximo passo? Quem sou sem tudo isto?’ Dei-me conta de que, por mais que conseguisse, sentia-me sempre vazio por dentro. Quando mais coisas perseguia, mais desconectado me sentia de mim mesmo. Por exemplo, quando ganhei a Bundesliga pelo Bayern... senti-me vazio. Pensei: ‘Bom, vamos tentar mais uma época, talvez outra vitória, algo mais’. E depois sentia-me igual por dentro. Fui-me desconectando cada vez”, começou por explicar.
“A minha irmã morreu muito jovem e eu decidi deixar o futebol, não podia continuar num meio tão público, mas durante os dez anos seguintes estive completamente desconectado de mim mesmo, muito distraído pela vida e incapaz de a deixar ir. Guardei essa dor dentro de mim durante 11 anos e isso levou-me a uma depressão profunda. Quando finalmente enfrentei a depressão e comecei a trabalhar em mim mesmo, comecei a tirar todas as capas que tinha construído: desde a infância, o futebol, os negócios, todas as distrações... Olhei-me no espelho e perguntei: ‘Christian, quem és? És o futebolista? O tipo que vai a festas todos os fins de semana? O empresário que precisa sempre de fechar negócio?’. Estava a interpretar um papel e demorei mais de 40 anos a dar-me conta disso. Até que um dia disse: ‘Basta, deixa de representar. O que é que realmente te deixa realizado?’. E esse foi o momento da verdadeira mudança, foi aí que comecei a soltar-me e a aceitar (a morte da irmã)”, relatou.
Descrevendo esse momento de autorreflexão e aceitação dessa tragédia familiar como um “renascimento”, o ex-jogador também revelou que chegou a ter uma conversa com o famoso DJ francês David Guetta numa noitada que o ajudou ao nível mental.
“Conheci David Guetta numa altura muito salvagem da minha vida. A música sempre esteve perto do meu coração e os nossos caminhos cruzaram-se num ambiente noturno bastante excessivo. Ainda que nos tivéssemos conhecido nesse mundo, o que levei dali foi algo mais profundo: observar como a fama pode desconectar-te ou servir para partilhares amor e alegria. Vi ambos os lados e isso fez-me refletir sobre como me quero apresentar perante o mundo. Estou agradecido pelo que aprendi graças a esse encontro”, apontou.