Entre os relvados e outros empregos: a vida dos portugueses no Luxemburgo

Pétange, treinado por Fangueiro, lidera a Liga Luxemburguesa
Union titus Pétange
O futebol tem crescido no país e até há dedo português pelo meio, mas ali o jogador trabalha (e recebe) a dobrar.
A inédita participação do Dudelange na fase de grupos da Liga Europa e a melhoria verificada nas qualificações da seleção do Luxemburgo para Europeus e Mundiais são as provas do desenvolvimento do futebol no grão-ducado. Num território com uma comunidade portuguesa expressiva, não é difícil encontrar reflexos dessa presença no futebol. Aliás, o líder do campeonato é treinado por Fangueiro, que brilhou por cá ao serviço de Leixões ou V. Guimarães, entre outros. Não é o único.
O campeonato luxemburguês não é propriamente um eldorado. Mantém um estatuto amador e isso é algo que se reflete diretamente na vida dos jogadores da BMG League, o principal escalão competitivo do país. Essa realidade toca a 20 futebolistas portugueses, que, ali, trabalham a dobrar. "O campeonato é amador e há muitos contratos duplos. [Os jogadores] têm um trabalho durante o dia e à noite vão para os treinos. Para efeitos de reforma, para terem direito a benefícios de saúde, só através de um contrato profissional", explica Fangueiro a O JOGO. "Cheguei ao Luxemburgo com 35 anos. Ganhei algum dinheiro na minha carreira, mas não o suficiente para não fazer nada, até porque tenho quatro filhos", refere, antes de explicar como se processou a mudança para o Luxemburgo, na época 2011/12: "Vim com a possibilidade de jogar e de um dia treinar. Mas tinha de trabalhar, e passados quatro meses arranjei um emprego. Onde se recebe mais? Há jogadores que recebem mais a jogar do que no outro trabalho. Por aí, já dá para ver a qualidade de vida."
João Coimbra, jogador formado no Benfica, rumou ao grão-ducado em 2018 e assinou pelo Mondorf-les-Bains, onde se mantém. "Disse ao agente Alberto Machado, meio a brincar, meio a sério, que não arranjava nada em Portugal. Ele falou com o treinador Paulo Gomes, que mostrou interesse", recorda o médio. Aos 33 anos, tem uma vida estável: "A maior parte trabalha e joga. O ordenado mínimo é de 2000 euros, juntando isso com o salário do futebol... E há a perspetiva de continuar a trabalhar, algo de futuro no pós-futebol", conta a O JOGO, assegurando ter emigrado a pensar na vertente desportiva. "Vim pelo futebol, quem sabe para voltar a jogar nas provas europeias. Mas, com dois trabalhos, a disponibilidade já não é a mesma", remata.
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Nem sempre é fácil convencer os futebolistas a uma mudança tão radical, adotando esse estilo de vida dupla. Quem o diz é Celso Duarte, empresário brasileiro casado com uma portuguesa e radicado no Luxemburgo. "Ficam reticentes. Há que fazê-los compreender que podem ter maior estabilidade. O nível competitivo, claro, não é como em Portugal", assinala. Ainda assim, a verdade é que o panorama está a melhorar. "Há clubes que dão condições: casa, carro, prémios de 400 euros por vitória. Alguns já conseguem ter esse peso", diz Celso Duarte. Fangueiro corrobora e aponta margem de progressão: "O futebol luxemburguês está a crescer. Para jogadores de Portugal ou de países fronteiriços, como Bélgica, França ou Alemanha, é fácil vir para aqui."
Contar ao certo os portugueses envolvidos nas várias tarefas associadas ao futebol, entre dirigentes, treinadores ou jogadores, é missão impossível, e muitos deles já são de segunda geração. Dany Mota, o internacional português sub-21 "fabricado no Luxemburgo" é um bom exemplo dessa realidade. E merece por isso ser tratado à parte.
"No início tudo era bom, depois não pagaram"
Nem sempre a mudança para o Luxemburgo corre bem. O guarda-redes Pedro Fernandes trocou o Mirandela pelo CS Pétange em 2013, para regressar a Trás-os-Montes meio ano depois. "O contrato era bom. No início, tudo era favorável, depois deixaram de pagar. Faltavam três meses, pagaram dois e eu vim-me embora", recorda o guardião, hoje com 34 anos e ainda ao serviço do Mirandela. Em retrospetiva, Pedro Fernandes admite arrependimento. "Nunca devia ter saído nesse ano. Tinha clubes interessados na I e na II Liga", lamenta, ele que chegou a representar Portugal nas Seleções jovens.
