Do amargo de boca em 1989 contra Portugal ao Mundial de 1990: "Fomos muito melhores..."
Bismarck era o jovem craque na comitiva brasileira no Mundial de 1990 com números arrebatadores no Vasco. Lembra contacto com Dinamite, Romário e Bebeto
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Bismarck foi um dos maiores talentos brasileiros que emergiu no final da década de 80, um raio de sol para o Vasco, um criativo inspirador para o apogeu da Liga Japonesa, tanto ao serviço do Tokyo Verdy como Kashima Antlers, fazendo sucesso ainda com o eterno Kazu Miura. Em estado de graça com 18 anos, decisivo no título do Vasco em 1989, chegou também ao Mundial de 1990, chamado por Lazaroni, embora sem somar minutos. Em 1989 também surgira no caminho de Portugal no Mundial de sub-20, perdendo a meia-final na Arábia Saudita, valendo golo de Amaral num salto vital para a primeira conquista da era Queiroz.
"Subo à primeira equipa do Vasco em 1987 e num ano apenas já tinha 26 golos como profissional. Usei também a minha experiência nas seleções de sub-13, sub-15, sub-17 e sub-19, fazendo parte de grandes gerações do Vasco. Fiz sempre muitos golos, mesmos sendo homem do meio-campo, vivia para golos e assistências. Entrava facilmente dentro da área, hoje já não vemos médios com essa capacidade de romperem pela área contrária. Acho que marquei mais de 250 golos somando a base e o profissional no Vasco. Na primeira equipa foram 126", ilustra Bismarck, hoje com 54 anos, empresário de jogadores com ligação muito forte ao mercado asiático, beneficiando da sua longa travessia pelo futebol nipónico. Complementa a visão dos primeiros tempos, a reboque dos sinais que o gravavam como potencial estrela do futebol brasileiro.
"Sem dúvida que o ano de 1988 foi muito bom e particular para mim, o Vasco foi campeão carioca e só não foi brasileiro, porque esse campeonato demorou imenso, foi até 1989 e o Bahia foi o único que não deu férias aos jogadores, aproveitando isso", recorda Bismarck, siderado por todo elenco do Vasco que acompanhava e o amparava como caçula no grupo. "Entro numa equipa que tem Romário, Dinamite, Tita, Paulo Roberto, Geovani, Mazinho, Acácio, Zé do Carmo. Isso ajudou-me bastante, eram jogadores de grande talento e muito generosos, que torciam por ti. Romário, Roberto Dinamite e Mazinho foram providenciais para os mais novos. Ganhavas confiança e tecnicamente era um elenco muito especial. Estar tão bem rodeado foi de suma importância, entravas no caminho certo automaticamente e também entendias como transmitir isso aos garotos. Era uma transição boa de testemunhos e de ciclos. Essa mescla permitiu-nos ser campeões em 1989", desvenda Bismarck, gabando os que foram referência em Portugal. "Acácio, pelo Beira-Mar, Marco Aurélio, no União Madeira e Sporting, e Zé do Carmo, na Académica, foram consagrados no Vasco para Portugal, penso que todos deram um contributo muito valioso nos seus clubes".
Bismarck puxa a fita desse estrelato entre 1989 e 1990, espalhando classe no Vasco e colocando-se na montra para o futebol europeu, quando é eleito melhor jogador do Mundial de sub-20, vencido por Portugal em 1989. "Ter sido convocado para essa Copa foi fantástico mas vinha de um Mundial sub-15 na China e já outro sub-20 no Chile em 1987. Estava muito experiente e acabei por ser eleito o melhor em 1989, mas com esse amargo de boca contra Portugal, que também tinha uma ótima equipa. Mas, sou da opinião, que éramos merecedores desse título, fomos muito melhores que Portugal na meia-final. Mas saí dessa prova com bagagem suficiente para que estivesse na lista dos 30 para o Mundial de 1990 em Itália. Acabei mesmo por ir e criou-se uma expetativa enorme em meu redor, se iria jogar. Infelizmente não atuei, mas foi uma experiência enorme na minha carreira e um facto histórico e marcante na minha vida, pois tinha só 20 anos", conta.
"O normal da minha evolução seria ter mais chances de jogar em 1994. Mas acontece que em 1993 vou por empréstimo para o futebol japonês, isso impossibilitou a minha inclusão. Como tinha feito parte do grupo de 1990, era lógico estar aí, era um grupo que estava mais forte em 1994", elucida, partilhando contornos fundamentais que acabaram por afetar lugar nos Estados Unidos.
"Tive a grande oportunidade de jogar na Europa no Celta de Vigo. Tinha essa proposta e também do São Paulo, isto em 1993, que me queria como substituto do Raí que partira para o Paris-SG. Falei com o presidente do Celta, e estava conversado que iria ganhar x livre de impostos. Mas, para minha surpresa, quando vou assinar soube que teria de pagar impostos sobre o que ia auferir. Fiquei preocupado, isso não estava combinado, fiquei de pé atrás", atira. "Havia o São Paulo mas não queria negociar a bem com o Vasco. Telê Santana queria muito que eu fosse, mas eu avisei que não deixaria o clube pela porta dos fundos. Já tinha tido um litígio com o Vasco e não queria outro. Neste contexto surge a procura do Verdy, por sete meses deixaria o Vasco", explica.
"Mesmo que corresse mal no Japão, achava que voltaria a tempo de fazer seis meses no Carioca e isso daria todas as chances de ser chamado ao Mundial. Foram decisões, não me arrependo, sabendo o que representou o Japão para mim como profissional e pessoa, foi um enriquecimento muito grande", confessa, deixando uma suave crítica. "É certo que fiquei longe da seleção, Parreira não tinha indicações do que acontecia no Japão, mas se me tivesse visto a jogar, perceberia que estava no meu auge. Nos 30 era fácil caber..."
Colisão entre defesas e avançados em 1990
Bismarck reflete ainda sobre o privilégio que teve na ligação a muitos dos avançados que marcam a sua carreira. "Joguei com Romário, Bebeto, Dinamite, TIta e Miura, foram extremamente importantes. Fiz bastantes assistências para todos, mas também fiz muitos golos com assistências deles. Tiveram muita influência no que fui, combinava magistralmente com todos. Foram jogadores formidáveis, de prateleira bem alta. Não dá para esconder o orgulho", admite o antigo atleta, hoje empresário, discorrendo ainda sobre o que correu mal no objetivo tetra em 1990, quando o Brasil é afastado pela Argentina, golo de Cannigia. Aldair, Ricardo Gomes e Valdo (Benfica) e Branco (FC Porto) moravam nessa constelação.
"A equipa era ótima, jogadores individualmente extraordinários. A linha atacante era composta por Romário, Bebeto, Careca, Müller e Renato Gaúcho. O elenco era experiente, mas foi-se perdendo o foco ao longo dos treinos. Existiram problemas com a direção da CBF e foi um processo mal conduzido dos dois lados: diretores e jogadores. A Pepsi coloca um valor diferente do que havia sido comunicado e os jogadores ficaram preocupados com o que iam ganhar de prémio. Isso gerou desconforto e retirou união ao grupo, que estava forte e consciente do que queria desde a Copa América. A discussão sobre o patrocinador oficial foi pesando e, chegados na Itália, também houve uma indefinição tática, se o Brasil jogaria com três defesas ou três avançados", rebobina Bismarck.
"Isso levou a uma colisão entre avançados e defesas mas dentro da competição fomos afastados quando fizemos a melhor exibição diante da Argentina. Para mim foi tudo uma grande aprendizagem, pelo que vivi e vi a partir do banco. A pressão muito rápida de um Mundial. Os jogadores eram excelentes e, pela experiência de 1990, sabiam o que podiam repetir ou não repetir em 1994. Nesse elenco estavam 11 de 1990", explica.