"Depois do treino, parava as pessoas e pedia comida. Chegaram a chamar-me vagabundo"
O internacional brasileiro recorda uma infância complicada e em que era fácil desviar-se do caminho do futebol. Mas o extremo resistiu e hoje é uma das estrelas do Barcelona.
Corpo do artigo
Num artigo intitulado "Não me desvirtuei", publicado no jornal brasileiro UOL Esporte, Raphinha, extremo do Barcelona, conta as dificuldades que passou na infância até se tornar num futebolista profissional e ter alcançado os maiores palcos. O ex-V. Guimarães e Sporting lembra que chegou a pedir dinheiro na rua e conta que perdeu muitos amigos para o mundo do crime.
"Preciso de te contar uma verdade: é muito complicado. Para quem nasce dentro de uma comunidade como eu, é difícil manter o foco. Sou da Restinga (bairro na Zona Sul de Porto Alegre). É difícil seguir um caminho e não nos desviarmos dele. Algumas oportunidades aparecem. Prometem uma maneira mais fácil de ganhar dinheiro. E é aí que as pessoas se perdem. Perdi muitos amigos para o mundo do crime, para o tráfico. Amigos que jogavam até dez vezes mais que eu, que poderiam estar num grande clube. Ter esses exemplos tão próximos foi um fator importante para que eu mantivesse o foco. Eu sabia o que queria desde muito pequeno: ser jogador de futebol. Conseguir esse objetivo saindo de uma comunidade como a minha é um sacrifício muito grande. Mas a minha ambição era ainda maior. A minha família foi muito importante. Eles nunca me proibiram de fazer as coisas, mas sempre me mostraram qual era o caminho certo e o caminho errado. Foi por eles que nunca larguei a escola. Foi pelas conversas com eles que ignorei as oportunidades que tive de seguir pelo caminho errado. Por causa deles, estou aqui. O miúdo da comunidade conseguiu passar por tudo isso rumo a grandes palcos. Se hoje falam da minha "magia" em campo, eu digo: essa é a verdadeira magia", começa por dizer, na rubrica "A Minha História - Copa", em que jogadores da seleção brasileira falam sobre o cainho que percorreram até atingir o patamar do futebol profissional.
"As memórias do meu início são duras. Para seguir o meu sonho de jogar futebol, eu tinha de treinar a sério e o local para isso era longe da minha comunidade, onde vivi até aos 16 anos. Era tão distante que eu saía de casa ao meio-dia e voltava depois das 20h00. Se naquela época eu mal tinha dinheiro para o autocarro, podes imaginar que eu não tinha condições para comer algo durante esse período. Só que a fome não espera, não é? E quando ela apertava? Eu tinha que pedir. Eu só queria comer, sabes? Seria injusto dizer que passei fome na minha vida. Não. Os meus pais nunca deixaram faltar comida em casa. Só que durante oito horas ou mais eu estava muito longe de casa. Então, depois do treino, no caminho até à paragem de autocarro, eu parava as pessoas na rua e pedia para comprarem um lanche, qualquer coisa para eu comer. Por vezes ajudaram-me, mas também aconteceu chamarem-me vagabundo. E não tinha o que fazer: era esperar até chegar a casa para poder comer algo. Eu acredito que os momentos maus são obstáculos que são colocados ali para ver quem realmente quer, quem realmente consegue suportar e superar. Foi isso que me deu força para passar por eles nos momentos mais difíceis", revelou o avançado.
Raphinha, de 25 anos, transferiu-se esta época para o Barcelona, deixando o Leeds United a troco de 58 milhões de euros. "Quando me perguntam se eu imaginava sair do Leeds para o maior clube do mundo, que é o Barcelona, e afirmar-me na seleção brasileiro num ano, eu respondo que não só imaginava como consegui", finalizou.