Daniel Neri, o português de Amarante à procura da fama no futebol brasileiro
Natural de Amarante, treinador de 41 anos foi campeão regional pela equipa do Salgueiro AC e praticamente garantiu a qualificação antecipada para a segunda fase da Série D do Brasileirão
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Longe dos principais holofotes dos media, um treinador português tem vindo a acumular bons resultados no Brasil. À frente do Salgueiro AC, equipa da cidade do mesmo nome, no interior do estado de Pernambuco (Nordeste brasileiro), Daniel Neri Marinho praticamente garantiu já a qualificação para a segunda fase da Série D do Campeonato Brasileiro, quando ainda faltam três jornadas.
Campeão regional e virtualmente qualificado, técnico português Daniel Neri ganha projeção no Brasil
Vice-líder do Grupo A3 do nacional, a equipa vem embalada pela conquista de um título inédito: pela primeira vez em 105 anos, um clube fora da capital (Salgueiro fica no do Sertão pernambucano, a 513 quilômetros da capital Recife), conseguiu ser campeã e quebrar a hegemonia das principais equipas da região.
Foi a primeira vez que um treinador europeu conquistou o campeonato de Pernambuco, estado tradicional do futebol brasileiro que atualmente tem uma equipa na Série A (o Sport Recife), além dos não menos tradicionais Náutico e Santa Cruz - este último, adversário da decisão nos penáltis. "Os campeonatos estaduais aqui no Brasil são centenários. São competições anteriores aos nacionais pela dimensão do país. Quem é europeu não entende a dinâmica, a grande rivalidade dentro dos estados", conta Daniel Neri Marinho, já plenamente adaptado ao país.
O caminho para a conquista do primeiro título da carreira não foi simples. Em Portugal, o treinador teve apenas experiências na formação do Progresso e do Dragon Force, ligado ao FC Porto. "Trabalhei por seis anos em cada um deles. O primeiro era uma equipa simples. No Dragon, eu fui treinador, coordenador e também estive na comissão de scouting observando jogadores internacionais, principalmente os brasileiros", disse.
Daniel Neri chegou no Brasil em 2013. "Sempre gostei do Brasil e recebi uma oportunidade para trabalhar e resolvi ir", revelou. Foi, então, treinar de sub-17 e sub-20 do Porto, de Caruaru (sítio de constante recrutamento do Rio Ave na década passada). Em destaque, foi contratado para o Sport Recife, onde também treinou as equipas sub-17 e, em seguida, a de sub-20. Campeão estadual nas categorias de base da equipa da capital, chegou a ser cogitado para o profissional, mas a sondagem não prosperou.
Em 2018, teve uma curta passagem pela equipa principal do Flamengo, não o famoso do Rio de Janeira em que o "mister" Jorge Jesus foi multicampeão, mas o primo menos conhecido, do interior de Pernambuco. Desiludido com a falta de estrutura para trabalhar, não ficou muito tempo. Em abril do ano seguinte, chegou ao Salgueiro, onde está até agora. Classificou a equipa para a segunda fase da Série D, mas acabou amargando a eliminação no primeiro "mata-mata".
Neste ano, o treinador soma 60,6% de aproveitamento na mesma Série D, com 5 vitórias, 5 empates e apenas uma derrota em 11 jogos. Vice-líder do Grupo A3 com 20 pontos, o Salgueiro só deixaria a qualificação escapar se perder todos os jogos restantes e os adversários conseguirem êxito máximo. Uma combinação improvável.
No próximo sábado, pode garantir a qualificação ao enfrentar o líder, o América, de Natal. No total, são 64 equipas na última divisão nacional, das quais apenas quatro conseguirão o acesso para a Série C em 2021. "É mesmo uma competição muito difícil e à medida vai avançando, vai ficando mais ainda. A próxima fase é 'mata-mata' e isso traz um grau de dificuldade elevado. Estamos confiantes, mas há um longo caminho", afirmou Neri.
"Agora, outros que chegaram, espero que tenham boa sorte. O futebol aqui é difícil, não é igual ao português ou o europeu. O calendário é diferente, há o estadual antes da competição nacional"
Portugueses em alta no Brasil?
Além de Daniel Neri, outros dois treinadores portugueses treinam clubes nacionais atualmente. Abel Ferreira, no Palmeiras, e Ricardo Sá Pinto, no Vasco. Na esteira do sucesso obtido pelo técnico Jorge Jesus no Flamengo, vieram ainda Augusto Inácio, no Avaí, e Jesualdo Ferreira, no Santos. Ambos já foram demitidos e tiveram uma passagem curta pelo futebol brasileiro. Não em vão, o treinador amarantino faz uma análise fria da realidade dos treinadores estrangeiros no Brasil.
"Este momento em alta dos portugueses de que falam foi apenas do Jorge Jesus, no Flamengo, e o meu trabalho aqui com o título no Salgueiro. Ele foi único até agora... E eu. Os demais passaram por aqui apenas. Agora, outros que chegaram, espero que tenham boa sorte. O futebol aqui é difícil, não é igual ao português ou o europeu. O calendário é diferente, há o estadual antes da competição nacional e ligam-se umas nas outras. Quem tem capacidade de ganhar jogos e títulos vai ficando no cargo. Quem não...", detalhou o treinador.
"Eu quero muito voltar, é um objetivo que tenho. Estou a trabalhar aqui, conquistei meu primeiro título profissional e vou lutar para subir mais"
"Quero muito voltar a Portugal"
Após o título com o Salgueiro, Daniel Neri tornou-se famoso a nível nacional. Deu entrevistas para várias emissoras nacionais, jornais, rádios. Ganhou os seus minutos de fama. Não em vão, recebeu algumas sondagens para deixar a equipa da Série D. Optou, porém, por seguir firme no trabalho que lhe tem dado projeção. "O que tive nunca foi nada concreto e que me tirasse daqui. Venho desenvolvendo um trabalho forte, sólido, consolidado, com paciência porque quando se tem maus momentos o treinador sem história é questionado. Mas conseguimos manter uma base, os jogadores ficaram após o título e queremos subir para a Série C", disse Neri.
Questionado sobre os planos para o futuro na carreira, o treinador afirmou que sonha em voltar um dia para trabalhar em uma grande equipa de Portugal. "Eu quero muito voltar, é um objetivo que tenho. Estou a trabalhar aqui, conquistei meu primeiro título profissional e vou lutar para subir mais, conseguir espaço em outras equipas das séries A ou B e tentar ligar-me ao futebol europeu, não só de Portugal. É a visão que tenho da minha carreira, sem pressa. Estou a trabalhar aqui e a pensar aqui. O que estou fazendo hoje é o que vai construir o meu futuro e apontar o que temos a projetar na carreira", finalizou.