"Cruzados" portugueses no Vasco da Gama: tudo começou com um defesa do FC Porto
Ernesto Santos rumou, no pós-II Guerra Mundial, ao clube brasileiro. Hoje, Sá Pinto é o treinador do Vasco da Gama, mas o emblema conheceu vários lusos na equipa desde 1946. Um até chegou a ser treinador de Jorge Jesus. Conheça-os todos.
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Agora que Sá Pinto averbou a primeira vitória ao comando do Vasco da Gama, O JOGO aproveita a deixa para recordar-lhe os outros portugueses com trajeto que antes do técnico cruzaram o Atlântico para desembarcarem no Gigante da Colina, emblema de grande tradição no país-irmão e "filho" da colónia lusa.
Em 2005, o Vasco da Gama entrava lentamente pelo maior buraco negro da sua história
As histórias são curtas neste "traço de união Brasil-Portugal", como canta o hino do Vascão. Há surpresas, incluindo um fogacho de um futuro campeão pelo Sporting que Pedroto descobrira muito antes em Angola.
Ernesto Santos - De treinador a professor
Há 74 anos, os cruzmaltinos receberam o seu primeiro técnico português, imediatamente antes de viverem o mais esmagador período de sempre, com a criação da famosa equipa "ubervencedora" que respondia por "Expresso da Vitória", facilmente o esquadrão sul-americano de clubes mais conhecido nos anos 1940 a par de "La Máquina" do River Plate.
Em 1946, Ernesto Santos, ex-defensor do FC Porto, chegou ao Rio de Janeiro e respondeu a um anúncio no Jornal do Brasil, assim redigido: "Apresente-se até ao dia 10 deste mês, às 18 horas, no Departamento Técnico, no Estádio de São Januário, munido de provas de suas habilitações e de documentos de sua idoneidade moral e profissional." Académico, Ernesto Santos queria seguir a via do ensino, mas o gosto pelo futebol e o chamamento do Vasco foi mais forte.
Contudo, a passagem pelo clube carioca foi coroada de insucesso. Mesmo com as fileiras recheadas de futuras lendas como Barbosa, Eli, Danilo, Lelé, Ipojucan e Friaça, o Vascão amargou fracassos e terminou em quinto no campeonato estadual - uma vergonha absoluta ao tempo. Ernesto Santos saiu tão depressa como entrara, seguindo depois para o ultra-rival Flamengo, onde viveu igual insucesso.
O futebol brasileiro não estava para Ernesto Santos, mas as salas de aula estavam. O ex-portista fez uma carreira lustrosa como professor catedrático na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Fernando Peres - O "portuga" campeão
Filho da Ajuda, todo ele malandro de Lisboa e senhor de uma canhota geométrica, Fernando Peres foi dos mais marcantes jogadores do futebol português nas décadas de 1960/70. O Magriço formou-se no Belenenses, consagrou-se no Sporting (onde foi campeão nacional por duas vezes), com uma passagem tão fugaz quanto marcante pela Académica nos anos escaldantes de crise estudantil. A faceta menos conhecida do malogrado craque nacional não é um feito menor: foi "só" o primeiro português do Vascão e com uma medalha de ouro ao peito inédita.
Em 1974, aos 32 anos, Peres andava desavindo com os dirigentes do Sporting e aventurou-se pelo lado de lá do oceano. Com Portugal em revolução, o rapaz da Ajuda instalou-se na brisa de Copacabana, viveu o sonho tropical e foi importante no primeiro título brasileiro do Gigante da Colina. Ao lado de craques como Roberto Dinamite, Alcir, Alfinete, Jorginho Carvoeiro e Zanata, o "portuga" bom de bola, mestre na cobrança de livres e doutorado em passes de morte, deixou marca na história dos cruzmaltinos.
Mais tarde, Peres voltou a Portugal, passou rapidamente por um FC Porto que se montava para ganhar, treinou Jorge Jesus no Peniche e ainda voltou ao Brasil para "fazer uma perninha" no Sport Recife e no Treze de Campina Grande.
A última entrevista de Peres foi concedida a O JOGO em outubro de 2018, quatro meses antes do seu súbito falecimento. Nela contou várias outras das suas muitas histórias. Para ver, ler e ouvir aqui e aqui.
Lito - Um ficheiro quase secreto
Se acaso o nome do cidadão luso-angolano José Eldon de Araújo Lobo Júnior diz-lhe pouco mas andou a ver bola por cá quando os anos 1980 pediram licença para entrar, decerto lembrar-se-á de Lito, o veloz ponta formado no V. Setúbal e aprimorado no Braga que atingiu o pico da carreira no Sporting. O que poucos sabem é que Lito foi jogador do Vascão em 1979, antes mesmo de dar o salto para Alvalade, onde seria bicampeão.
Ao despontar em Angola na Escola Fernando Peyroteo, Lito foi detetado por ninguém menos do que José Maria Pedroto, então técnico do V. Setúbal. Na adolescência dos seus 14 anos, Lito teve autorização dos pais para abraçar o sonho, viajando até Setúbal. Internacional português em vários escalões jovens, Lito armava o diabo na ala direita vitoriana. Chegou à primeira equipa, mas o V. Setúbal perdia o fulgor que fora sua marca de água no início dos anos 1970 e transitou para Braga, onde rubricou duas excelentes temporadas.
Em 1979, a vida de Lito conheceu a maior das mudanças. Foi contratado pelo Sporting, mas cedido ao Vasco da Gama então comandado por Otto Glória. Todavia, a passagem do extremo pelo Rio resumiu-se a um único e insignificante jogo. O destino reservava-lhe leões no caminho e Lito voltou para ser verde e branco de vez: vestiu pela primeira vez a camisola listada do Sporting em 1980 num jogo contra os Nazarenos, para a Taça de Portugal, e ganhou quatro títulos nos seis anos seguintes. Voltou depois a Braga e ao Sporting local.
Atualmente, Lito vive na Cidade dos Arcebispos. Dedicou-se depois a outra arte: a de barman.
José Dominguez - a última diabrura
Um driblador demoníaco, José Dominguez poderá nunca ter confirmado tudo o que prometeu, mas a irrequietude do seu futebol levou-o a muitas paragens improváveis, exóticas para os tempos até. Brasil e o Vasco da Gama incluídos.
Formado no Benfica, Dominguez era um miúdo das ruas que começou por causar sensação ao surgir em imagens televisivas, nas quais um garoto de mil fintas, não mais velho do que um iniciado, fazia uma autêntica gincana, driblando que lhe saía ao caminho.
Mais tarde, Dominguez voltou a ser notícia quando se transferiu para o futebol inglês, à altura um salto de fé, um pulo para o desconhecido. E logo para o Birmingham, que amargava no terceiro escalão inglês. Partiu ao lado de um pequeno pelotão "tuga", com Pedro Paulo e outro bom malandro: Rui Esteves.
O estilo desconcertante do extremo português contagiou a plateia do Estádio Saint Andrew numa época 1994/95 de sonho no plano individual. Os estilhaços das explosões do canhoto chegaram ao Portugal de então e Dominguez foi contratado pelo Sporting de Carlos Queiroz. Em Alvalade, o lisboeta era uma das coqueluches verdes e brancas, ao lado de Dani... e de um certo Ricardo Sá Pinto. Duas épocas, 79 jogos, quatro golos e uma Supertaça depois, a boa obra de Dominguez em Alvalade estava feita.
Voltou a Inglaterra pela porta grande, no Tottenham, onde começou bem e acabou mal. Depois desbravou com sucesso o futebol alemão (Kaiserslautern) e o catari (Al Ahli). Decidiu terminar no Brasil. O timing não foi o melhor.
Em 2005, o Vasco da Gama entrava lentamente pelo maior buraco negro da sua história. Presidido pelo vulcânico Eurico Miranda, os cariocas tiveram cinco treinadores só nesse ano e um Dominguez no ocaso da carreira ainda fez dez jogos pelos cruzmaltinos perdidos. Nisto, disse chega um joelho que já tinha levado o dianteiro por quatro vezes ao bloco operatório. Tudo acabou para o rapaz de Lisboa no Rio de Janeiro. Tinha 31 anos.
José Dominguez tem 46 anos e foi treinador entre 2010 e 2016.