Carlos Lomba jogou no Líbano: "Temo pela vida de muitos amigos, a situação é complicadíssima"
Carlos Lomba é um português com dois capítulos enquanto jogador vividos no Líbano. Viveu em Aley, onde garante podia ver hoje os bombardeamentos a Beirute
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Com uma história futebolística no Líbano, defendendo o Akha Ahly em 2019/20 e 22/23, Carlos Lomba, antigo central da formação do Braga, um explorador do mundo, vive apreensivo com as notícias dos ataques israelitas ao território, no que é uma guerra sem aparentes tréguas contra o grupo terrorista, Hezbollah. O defesa, que deixou recentemente a Lituânia, até venceu uma Taça no país, amando Beirute e os libaneses. Terá sido ele, e também o madeirense Vítor Barata, este no Al Nejmeh, os únicos portugueses que conheceram tão peculiar realidade futebolística.
"É com profunda tristeza que assisto às notícias diárias, estou sempre a par do que vai acontecendo, porque sigo as páginas libanesas. As imagens são dolorosas, vejo locais que conheceste bem, onde foste feliz, ameaçados ou destruídos, pensando sempre se algum amigo ou conhecido foi afetado pelos ataques", refere Lomba a O JOGO, abordando dias de "imenso sofrimento do povo libanês".
"Eles são resilientes, já passaram por muito desde 2019, houve uma revolução, a explosão no porto, os tempos da covid, agora os ataques. Há uma crise económica profunda, problemas políticos. É triste...se estivesse hoje na minha casa em Aley nas montanhas, via os bombardeamentos sobre Beirute", desabafa, relatando a ligação que deixou naquela zona do Médio Oriente.
"A minha experiência lá foi fenomenal, fui muito feliz, conheci pessoas inacreditáveis, amáveis e hospitaleiras. É um país lindíssimo, que há uns anos largos era o destino de eleição das famílias com poder económico de todo o Médio Oriente. O sheik do Dubai vinha sempre de férias a Beirute e o sonho dele era fazer do Dubai uma segunda Beirute. Agora é ver o que aconteceu, pois Beirute parou no tempo", lamenta, aprofundando as suas impressões de duas passagens pelo país, onde fez cinco jogos na primeira etapa, mais 24 na segunda.
"No Líbano consegues fazer neve e praia com diferença de 30 minutos de carro. Aproveitas desportos de neve e as praias são lindíssimas, tudo separado por densas montanhas. Os restaurantes são incríveis, a comida maravilhosa e as pessoas recebem-te sempre bem. Mesmo sabendo tudo o que passam ou passaram. Podiam ser amargas mas, quanto mais sofrem, mais entregam e mais simpáticas são", descreve Carlos Lomba, acompanhado de choque e perplexidade nos últimos dias.
"É uma situação complicadíssima, tenho amigos em distintas cidades, construí uma base larga de amizades e é inacreditável o que me contam. Há aldeias que são evacuadas, há fluxos de pessoas a movimentarem-se para outras cidades, porque têm de fugir das aldeias que são conhecidas por serem xiitas. Se estás lá, vais viver em sobressalto", confidencia. "A minha cidade, onde vivia, Aley, é uma dessas cidades de refúgio, onde se têm providenciado todas as condições para receberem refugiados. Muitos amigos de Beirute foram abrigar-se nas casas da montanha, outros ficam para lutarem pelos seus trabalhos e tentam normalizar a vida assim, apesar dos bombardeamentos. Não podem parar e temo pela vida de muitos". enfatiza, já calculando pelos relatos 2000 mortes, número muito superior ao que aconteceu em 2006.
"É óbvio que não gostam dos israelitas, são pró-Palestina. Têm presentes muitos conflitos históricos, a invasão de 2006, marcados pelo que aconteceu, sempre me apontavam os lugares onde viram atrocidades. Eu encontrei um Líbano pacífico e seguro quando lá estive, só me avisavam do controlo fronteiriço para não me aproximar dessas zonas, porque haviam muitas perguntas e podias ser preso. O grande alerta é que nunca poderia jogar em Israel, porque eles não vão contratar alguém com Líbano no passaporte ou no currículo. Ou se, por acaso, aceitassem, já eu não poderia voltar ao Líbano. Sempre lidei com esse contexto", conta a O JOGO.
"Parece que as pessoas de Gaza e do Líbano importam menos..."
Carlos Lomba posiciona-se pelo que acontece no mundo e numa região que lhe é particularmente querida, pondo o dedo na ferida quanto à ação da comunidade internacional. "Digo que estou do lado dos palestinianos e libaneses, porque nenhum povo pode ser sujeito a um genocídio. Nada justifica o que está a acontecer. Causa-me tristeza, mas também revolta, porque a Ucrânia gerou muito mais impacto e tantas vozes se levantaram, com razão. Parece-me que as pessoas de Gaza e do Líbano importam menos à comunidade internacional. Infelizmente, é o mundo que vivemos, espero que tudo termine o mais rápido possível, embora não consiga ver o fim", exorta...lendo outro flagelo interno.
"Os jovens da minha geração e da anterior estão a tentar fugir do país, procuram emprego fora do Líbano, sabem que é impossível continuar assim, porque não há hipótese de uma vida segura ou de perspetivas de futuro e de família. E eles amam o Líbano, são patriotas e alegres. Querem viver a vida e não podem. Muitos jogadores estão a tentar arranjar qualquer tipo de trabalho nos outros países do Médio Oriente", evidencia Carlos Lomba, analisando ainda a questão mais intrínseca do que foi a sua profissão no Líbano.
"A Liga está com muitos problemas, existem prioridades que não são asseguradas, o futebol tem ficado permanentemente para segundo plano. Há vídeos e jogos antes de 2006, ou até antes de 2010 e víamos estádios com 30 mil pessoas, recintos enormes, transmissões televisivas de qualidade. Essa paixão desapareceu um pouco pela falta de investimentos e os grandes estádios foram votados ao abandono. A qualidade decaiu muito, a visibilidade do jogador também, é um cenário triste. Agora foi suspensa, deverá ser cancelada porque não há quaisquer condições para os jogos. Há muitos jogadores a fazerem do futebol o seu único sustento, prevejo muitas dificuldades", aclara Lomba, nunca esquecendo a realidade que foi sua.
"O jogador libanês tem qualidade, é forte fisicamente e tem conhecimento do jogo. Tem potência, mas percebe que não consegue singrar. E sem campeonato, não há contratos internacionais", revela o central português, nascido em Braga, observando o pânico e o desespero de um país que era riquíssimo na sua diversidade. "É um povo muito particular, a diversidade cultural descreve-os muito bem. Seja pela opinião ou religião. Existem muitas diferenças e também muita gente instruída e bem preparada que, trabalhando em grandes empresas internacionais, tem vida confortável.
Quem tem postos de trabalho locais, que recebe na moeda local, passa momentos muito difíceis", argumenta Lomba, expondo o choque interno, a divisão sobre o estatuto que goza o Hezbollah em solo libanês. "Por isso falava das opiniões, chocam muito, por serem profundamente opostas e extremistas. Há muita gente que vê o Hezbollah como uma religião, entendem que eles salvaram o Líbano, mas as pessoas mais informadas com visão do mundo, vão percebendo como as coisas funcionam e as economias mundiais escalam. Sabem que é algo que não é bom para a estabilidade do país. Mas vai haver sempre os que acham que é fundamental para a segurança face a ataques de Israel. É uma troca de ideias muito complicada, cada qual tem as suas verdades, é crítico!", explana.